sábado, março 26, 2011

Qualquer semelhança do regime português com democracia é mera e casual coincidência

Em entrevista à revista portuguesa Visão, em Maio do ano passado, o ex-ministro das Finanças de José Sócrates, Luís Campos e Cunha, dizia que "daqui a um ano as pessoas vão perceber que precisam de outro Governo". Errou por pouco.

Também dizia que as actuais medidas de austeridade são o "dobro do que seria necessário se tivessem sido iniciadas em Dezembro". José Sócrates não ouviu, o PS também não, tal como o presidente da República e o PSD.

Nessa altura perguntei aqui se as afirmações de Luís Campos e Cunha não pecavam por tardias.

Isto porque, por exemplo, num estudo da SEDES, de 3 de Julho de 2009, se dizia que maioria dos portugueses inquiridos considerava que as decisões dos governantes não reflectiam as preferências dos eleitores, o que levava o presidente desta associação, Luís Campos e Cunha, a concluir que tal era "uma prova de vivermos numa democracia madura".

Três em cada cinco inquiridos nesse estudo discordavam das noções de que os governantes tomam muitas vezes em conta as opiniões dos cidadãos, de que o governo é influenciado pelas preferências dos eleitores, de que os políticos se preocupam com o que eles pensam ou de que se preocupam com outra coisa além dos seus interesses pessoais.

É claro que, reafirmo eu, os governantes, estes e os outros, os outros e estes, se estão nas tintas para os cidadãos, salvo em época eleitoral. Na política “made in Portugal” os seus actores estão para se servir e não para servir. É pena, mas é a verdade. É, aliás, meio caminho – entre outras coisas – para o fim da própria democracia.

Mas o maior problema revelado no estudo "A Qualidade da democracia em Portugal", que até surpreendeu o próprio autor, ere – como continua a ser - o acesso à justiça e a igualdade perante a lei, que os inquiridos fizeram uma avaliação muito negativa.

Em média – dizia o trabalho da SEDES - "mais de dois em cada três eleitores" consideram que diferentes classes de cidadãos recebem tratamento desigual em face da lei e da justiça" e "a maioria" sente-se desincentivada a recorrer aos tribunais para defender os seus direitos.

Na altura da saída do estudo, escrevi aqui (pois, onde mais poderia ser?) que cada vez mais há portugueses de primeira, de segunda e até de terceira. Apesar disso, os políticos jogam com o que consideram ser uma certeza imutável: os portugueses são um povo de brandos costumes ou, como mais recentemente disse o primeiro-ministro, José Sócrates, manso.

"Os portugueses são cidadãos exigentes e querem que as áreas da democracia funcionem melhor", afirmou na altura Luis Campos e Cunha, salientando que o estudo também demonstrou que os portugueses "mais velhos estão mais satisfeitos com a democracia porque conheceram uma alternativa", a ditadura antes da revolução de Abril.

Será? Cá para mim que vou também ouvindo o que dizem os mais velhos, são cada vez mais os que falam de saudades do outro tempo, os que dizem que antes – ao contrário de hoje – eram poucos os que roubavam ou que, como diria o deputado socialista Ricardo Rodrigues, “tomavam posse” do que era dos outros.

Mais de 80 por cento dos inquiridos discordavam que "a justiça trata ricos e pobres de forma igual", 79 por cento discordavam que "a justiça trata de forma igual um político e um cidadão comum" e 49 por cento discordavam que "os processos judiciais não são tão complicados que não vale a pena".

O trabalho então apresentado pela SEDES era da autoria de Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Conclusão. Afinal, ao contrário do que há quase um ano dizia Luís Campos e Cunha, os portugueses não viviam "numa democracia madura". Sobreviviam, como hoje, numa democracia podre.

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