O Presidente zimbabueano, Robert Mugabe, desviou um Boeing 767 da companhia aérea nacional para se deslocar à China, deixando em terra todos os passageiros que tinham bilhetes para esse voo, segundo o ZimOnline.
O serviço independente de notícias on-line ZimOnline, refere hoje não ser claro se o que levou Mugabe à China, quarta-feira, foi uma questão pessoal ou de Estado, tendo fontes governamentais sugerido que o Presidente, de 84 anos, se deslocou a Pequim para um exame médico de rotina.
Os responsáveis pela companhia aérea foram obrigados a procurar alternativas de transporte para os passageiros que deveriam ter partido nesse avião para Singapura.
"Fomos informados pela gerência para preparar o Boeing 767, quarta-feira de manhã, para VIPs [Pessoas Muito Importantes, do inglês Very Important People]", afirmou fonte da Air Zimbabwe.
"Geralmente esta ordem significa encerrar a classe executiva e remover os bancos, substituindo-os por outros mais cómodos, e uma cama", adiantou a fonte da companhia, citado pelo ZimOnline.
"O avião que deveria ter seguido para Singapura nessa noite foi desviado para levar o Presidente à China, quarta-feira à tarde", segundo a fonte que pediu para não ser identificada.
O porta-voz do Presidente, George Charamba, não estava disponível para comentar esta questão, adianta o Zimonline.
O responsável executivo da Air Zimbabwe, Peter Chikumba, confirmou que o avião da companhia aérea foi esta semana requisitado para "voar VIPs" para a China.
Mas a mesma fonte minimizou o assunto, referindo ser normal que VIPs façam semelhantes pedidos.
"Não é a primeira vez que isto acontece. É habitual que quando VIPs pretendem viajar requisitem [o avião] e neste caso o pedido foi concedido, e eles estão a pagar para isso", adiantou o responsável.
"Fizemos percursos alternativos para os passageiros que foram afectados", referiu.
Não é a primeira vez que Mugabe obriga aviões a divergir da sua rota programada. É frequente fazê-lo sempre que deseja voar para o estrangeiro e mesmo quando viaja por motivos pessoais, deixando os passageiros em terra, segundo o ZimOnline.
A companhia aérea nacional perdeu, desde o início da crise económica do país, em 2000, a sua categoria entre as melhores transportadoras aéreas africanas devido a má gestão e interferência governamental.
1 comentário:
Este episódio – mais um – do ancião Robert Mugabe diz bem do que tem sido o despotismo do senhor do Zimbabwe. Para ele, o quero, posso e mando é, mais do que regra, um verdadeiro dogma. Hoje, com 84 anos, à frente dos destinos do País desde que este alcançou a independência em Abril de 1980, continua a governar como acontece desde há 28 anos.
Apenas dois anos depois desta data livra-se, em condições estranhíssimas, no mínimo do parceiro de coligação Joshua Nkromo, líder da ZAPU, a União Africana do Povo do Zimbabwe. De resto, Mugabe fez parte desta organização política em que se filiou em 1960. Mas, três anos depois, funda a ZANU, a União Nacional Africana do Zimbabwe. E logo estoira uma confrontação violentíssima entre os dois partidos. Mugabe elimina os adversários.
Passou pelas prisões inglesas e combateu, a partir de Moçambique, o regime branco da Rodésia do Sul (antiga denominação), chefiado por Ian Smith. Vence as eleições de 1980 (já então consideradas fraudulentas) e é o primeiro Primeiro-Ministro eleito. Em 1984 acaba com a farsa que ele próprio montara e surge como Presidente todo-poderoso. É «reeleito» em 1990, 1996 e 2002. Este ano é derrotado por Morgan Tsvangirai, líder do partido da oposição no Zimbabwe, Movimento para a Mudança Democrática (MDC).
O ditador e o seu partido bem tentam declarar que os resultados nas urnas são uma mistificação e que fora a ZANU a vencedora. Debalde. As coisas tornam-se cada vez mais difíceis para este homem que agora acaba de «desviar dentro da lei (dele)» um avião das linhas aéreas do País (dele) para se deslocar à China, fazendo tábua rasa dos passageiros que pretendiam viajar.
O regime sofrera no passado dia 29 de Março a sua primeira derrota desde a independência da antiga Rodésia do Sul. A oposição conseguiu a maioria dos assentos na Câmara de Deputados e Tsvangirai ultrapassou também o chefe de Estado na primeira volta das presidenciais. O líder do MDC, que reivindicou a maioria absoluta na primeira volta, aceitou, porém, voltar a ser adversário de Mugabe numa segunda volta, prevista para 27 de Junho, depois da divulgação dos «resultados oficiais» das eleições que deram a Tsvangirai 47,9 por cento dos votos, contra 43,2 por cento conseguidos por Mugabe. Números mais uma vez falseados. Pelos observadores e pelo MDC.
É este déspota caquéctico que tenta desesperadamente sobreviver no cargo, que até à data era «vitalício», através de uma derradeira habilidade/aldrabice. Foi aventada a hipótese, absurda, de um governo de união nacional no Zimbabwe. Porem – e socorro-me dos noticiários das agências, Tsvangirai, que há dois dias regressou a Harare para participar na segunda volta das eleições presidenciais, depois de seis semanas de exílio voluntário, afirmou aos jornalistas que corriam «demasiadas especulações» sobre a criação de tal um governo, pois considerava não haver nenhum sinal de que «será (seria) realizável».
«Mugabe não vencerá na segunda volta, disso não há dúvidas», afirmou Tsvangirai, para quem o Presidente não tinha nem tem bases para «convencer o povo zimbabweano» a votar no actual regime. De resto, o líder da oposição ainda defendeu que a violência exercida pelo regime contra a oposição e contra os que votaram contra Mugabe nas eleições «é a política mais desastrosa que já cometeu«. Segundo o MDC, pelo menos 40 dos seus membros foram mortos.
«A crise no nosso país tem impacto nas economias de outros países da região e nas suas sociedades. Os ataques xenófobos na África do Sul podem ser directamente imputados à política de intolerância e de repressão de Mugabe» sublinhou ainda Morgan Tsvangirai, referindo-se à violência exercia por sul-africanos contra imigrantes nas últimas semanas.
Pelo menos três milhões de zimbabweanos refugiados na África do Sul estão entre as principais vítimas da violência que está a assolar as townships e que já levou à morte de 42 pessoas e a mais de 25 mil deslocados.
O velho ditador está nas últimas. Da política, quiçá também da saúde. Não se trata aqui da fábula do leão moribundo. Mugabe nada tem de leão, muito mais seria hiena hipócrita e traiçoeira. Como assassino que é, poderia também ser chamado crocodilo que, sai das águas lamacentas para executar as suas vítimas. Ou cobra insidiosa; mas nem assim: nunca tentou hipnotizar os desgraçados que eliminou ou mandou eliminar. Nada de anestesias. A sangue frio.
Já vai longo este comentário. Demasiado, até. Mas, para quem, como eu, viveu em África, mais precisamente em Angola, as dificuldades para ali se concretizarem regimes de Liberdade e de Democracia são imensas. É absolutamente estúpido dizer-se que o continente africano não está preparado para elas. Precisa de novas práticas e novos hábitos. Mas, no fundo e em substância, o desejo de melhor vida, mais digna e mais vertical, é indício de que tais valores são universais.
Não se tente, porém, e obtusamente, transferir para a África e para os africanos as concepções que temos, sem se ter em conta que as mentalidades são bem diversas, que os usos e costumes igualmente o são, que o direito à escolha do melhor caminho é, exclusivamente, de quem o faz. Para tutelas e imposições, já bastou o desavergonhado capitalismo!
Se há que fazer alguma coisa, ela é ensinar a África a pescar. Porque dar-lhe o peixe – já foi.
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