"Apraz-me antes de mais nada cumprimenta-lo na
oportunidade em que - em reacção às matérias publicadas no Jornal
de Angola nestes últimos dois meses sobre Cabinda -
gostaria deixar expressa e de forma inequívoca o meu ponto de vista
sobre o assunto.
Sou um activista social, nascido sob a luz da liberdade do movimento cívico de Cabinda denominado «Mpalabanda»,
portanto faço parte deste grupo de activistas dos Direitos Humanos que têm sido brindados
com os artigos de opinião e entrevistas
de antigos guerilheiros da FLEC nestes últimos dois
meses no jornal de V. Exa. Pelo que não podia deixar
de me interessar pelo «dossier» do grupo ao qual,
pelo meu trabalho e pelas minhas preocupações, pertenço.
Independente das motivações outras, as matérias
em questão - as entrevistas concedidas aos prisioneiros de
guerra ( Comandantes Lelo Congo, Vinagre ), o editorial e outros artigos -
poderiam ser uma excelente oportunidade para o processo democrático
angolano e, por conseguinte, levantar um debate sobre o «dossier de Cabinda». A
minha decepção é esta: as invectivas calúnias e injúrias «antimpalabandas»
escritas ao serviço do regime. Notarei aqui o reflexo do sistema de violência da governação do MPLA-Estado
nestes últimos 37 anos, durante os quais aquele que ousa contrariar o regime
deve simplesmente ser tratado como subpessoa (Unter - Menschen), personagem
ridícula e absurda, e então o regime não descansa enquanto não o compromete, e,
se se pode dizer, não o desnatura.
Tudo isto, muito bonito para o regime. Mas, o que
é que se conseguiu demonstrar ou, pelomenos,
ganhar? Em todos
os escritos, tanto no editorial como nas entrevistas e em outros artigos, o
jornalista puro do regime, os entrevistados (se é que realmente foram entrevistados),
sentem-se constrangidos pelo interesse que lhes inspira a própria matéria, ou
pela técnica da guerra psicológica ou pelas exigências do jornalismo partidário,
e sempre em aberto contraste com a realidade actual angolana. Sim, em contraste
porque, em nenhum momento, ao longo da sua história, o Jornal de Angola se
recorda, por exemplo, da face deshumana dos
excessos da DISA, dos massacres de 4 de Junho de 1975, de 27 de maio de 1977 e da
sexta-feira sangrenta, ou, pelo menos,
interpelou o regime «en place» sobre os relatos das violações dos Direitos Humanos
publicados em todo mundo sobre Angola, mormente aqueles publicados pela
Mpalabanda nos anos 2003, 2004 e 2005.
A orientação para a apologia do regime contém tão
intensa subjectividade, que põe em perigo todo o puro jornalismo em Angola.
Precisamente, esta índole desinteressada do jornalismo profissional conduziu a
conexões cerradas, às quais nunca se teria chegado se se tivesse limitado à
observação das dificuldades actuais da vida dos angolanos (bem entendido,
impostas pelo «regime en place») e ao encorajamento do trabalho dos activistas
dos Direitos Humanos em defesa da Justiça, da Dignidade e da Paz. A atitude assumida pelo Jornal de Angola em 2010 em relação aos
sete activistas dos Direitos Humanos de Cabinda detidos e condenados pelo
Tribunal Provincial da Comarca de Cabinda sob instrução das autoridades
políticas, sem que a DPIC tivesse levado a cabo uma investigação criminal
forêncica, é ilustrativo.
Assim sucede neste caso. Aqueles que se exasperam
contra as violações dos direitos humanos, se colocam «au-dessus de la mêlée», são
indivíduos a abater. Portanto, não são nunca aqueles que estão na base da
actual situação de deshumanização de Angola
- a anarquia de ideias e das
praticas de governação, a desordem e o espírito de pilhagem, a prepotência e a
escravidão, a humilhação e o medo, as interdições e as violações da lei, a
miséria e o crime.
Talvez as exigências estéticas adquiriram uma
validade maior no Jornal de Angola em que a realidade actual vivida pelos angolanos não é o ponto de partida, mas algo a
ocultar. Logo, deve ser evidente
que o totalitarismo em Angola, que
acentuou a necessidade de ocultar a realidade angolana, com o apoio de uma casta
de intelectuais,que pensa o mundo
angolano segundo a inspiração do seu interesse. Enquanto combate pelo
predomímio, o seu interesse é a verdade;mas quando triunfa, o seu interesse é
defensivo, e as suas ideias reflectem só o statu quo da infra-estrutura
político - económica do petro - estado
angolano.
«Onde guardares o teu tesouro, ali estará o coração...»
(Mateus 6:21). Talvez não se trate de jornalistas natos, mas de
verdadeiros comerciantes, como dos
velhos (e dos novos) jornalistas
sofistas. Explica-se, contudo, que se produzam, às vezes, tais notíticias numa
mente puramente investigadora, pois podem ter a sua origem no sentimento da
própria invalidez perante estes aspectos
da vida prática dos Cabindas - os assassinatos, as injustiças, a sinfonização
(menção feita ao SINFO) do espaço vital
do Cabinda, a pobreza das populações, a asfixia do empresariado local, o espírito
de pilhagem dos recursos de Cabinda. Esta invalidade atinge frequentemente, as
mais simples manipulações, quando, por exemplo, colocam prisioneiros de guerra,
em Cabinda, para atacarem prestigiados defensores dos Direitos Humanos e de uma
solução pacífica para o conflito em Cabinda. Percebe-se claramente, no espírito
negociante, que a campanha eleitoral já começou. Como nos anos 1974/75, nos quais os psicólogos
do regime de então (MPLA - Partido
Estado de Agostinho Neto) intentavam convencer-nos de que a percepção da FNLA
consistia numa organização« de canibais», «de lacaios do imperialismo», e de outras
afirmações sem coerência como estas, a
campanha eleitoral edição 2012 parece ter retomado a mesma tática de luta pela
conservação eterna do poder.
Por isso, V. Exa. se «enche» avidamente, sem
atender a considerações lógicas, menos pelo prazer de possuir do que pelo de
acabar com estes terríveis activistas do extinto movimento cívico «Mpalabanda»,
possuídos de mil energias e de grande capacidade de solidão, de sacrifício e,
não raro, de desprezo para afirmarem a vida em face daquele que a nega. Comprende-se
que os peritos da «Comissão de Especialidade do regime» sintam um grande desagrado para com
semelhantes «visionários» ou «românticos» que, com todas as forças da sua alma,
procuram penetrar a actual realidade vivida pelas populações de Cabinda. Assim,
V. Exa vai-se convertendo em vã gesticulação, produzindo informações falsas,
para alimentar o «partido no poder», refrescar o seu programa bélico: os
activistas dos direitos humanos de Cabinda «metem-se em negócios sujos», «encomendam a morte de
civis isolados, desportistas e jornalistas nas estradas de Cabinda», são
«terroristas».
Estes dizeres são um velho lugar - comum da
fraseologia dos cépticos da inteligência em Angola. Mas o pitoresco será notar que tal cepticismo se não funda em bases reais
da nossa experiência desiludida. Observe-se, o homicídio tem cumplices entre os
homens. No caso concreto dos activistas dos Direitos Humanos em Cabinda, se é
que se pode dizer mal deles, inputar neles os fracassos da Paz do Namibe, e
assacar a sua responsabilidade da actual confusão na governação de Cabinda, porque
eles incomodam. Ou melhor, devem ser crucificados; porque, quando os oprimidos
batem as palmas à exploração e opressão, eles elevam outro estandarte e
«inventam» a exploração e a opressão. E pedem liberdade, responsabilidade e
reposição da Justiça para Cabinda.
V. Exa, se recorda que a história é história da
liberdade, e que a Liberdade é o ideal moral da humanidade. Mas hoje o
MPLA (patrão de V. Exa), que durante 14 anos lutou por este ideal, nega a
história, em especial aquela dos
Cabindas, reprime o testemunho da consciência moral, renegando a Liberdade e a Dignidade
de todo um povo. Qual camaleão, mudará constantemente de tonagem, procurando
confundir-se com a cor do petro e tecno-económico estado em que se encontra empoleirado.
Compreende-se que a aversão que V. Exa.
sente pelos cabindas e pela "sua causa " baseia-se não só na
estrutura do vosso ouvido (cuta matu, como se diz em Cabinda), como também no
vosso espírito. Os contornos da "
Questão de Cabinda " parecem-lhe sem conexão lógica, pelo facto de não os
ter compreendido, ou de não se lhes terem sido revelados pela escola da
"Nação Coragem", na qual V. Exa passou.
De modo que os apetrechos com que o regime está
equipado para a luta pela manutenção do status quo em Cabinda são os que de
mais pobre existem. Sou de opinião que se leve a debate num forum nacional a
«Questão de Cabinda», bem como a problemática dos Direitos Humanos no
território de Cabinda nestes últimos 37 anos.
Um debate sobre a «Questão de Cabinda» seria também «um esforço de
diálogo franco e aberto». No estado actual das coisas, seria oportuno um debate
vigoroso, pautado pela dialéctica sobre
«as grandes questões da actualidade angolana», o que contribuiria para
que as pessoas formassem as suas consciências sobre o assunto, evitando
serem enganados por doutrinas maléficas,
ludibriadas pelas pirotecnias do marketing político-eleitoral, em que a verdade
nem sempre aparece.
Espero que os ideólogos do regime, grupo do qual
V. Exa faz parte, não vão mais uma vez declinar este convite, como sempre o fizeram desde que
Angola ascendeu à independência. Note - se, hoje encontramos em nós, como fundo
do passado sobre o qual emerge a vida difícil das populações de Angola e,
sobretudo, de Cabinda, a famosa
descolonização portuguesa de 1975. Esta
foi superlativamente um «desastre», um dos
momentos críticos no destino dos
nossos povos, diga - se em sua honra e em seu desfavor. Nela germina boa parte das nossas manias e
desorientações. Por isso, na minha modesta maneira de pensar, acho que a actual
classe política dominante em Angola necessita curar o erro visual da falsa normalidade
sobre Cabinda proposta aos olhos do mundo por esses 37 anos dos Acordos de
Alvor. E é necessário que o faça já, em vez de falsificar mais ainda a «realidade» do presente.
Mas é de fazer uma pergunta que me parece
pertinente: quem são os Cabindas para V. Exa, algo a abater? Uma leitura da história do Jornal de Angola,
um pouco de reflexão, convence-nos de que V. Exa esteve sempre à distância do real
cabindês, só se interessando em repetir promessas políticas que nunca se
concretizam, ou, pelo menos, especializar-se em gestos beligerantes em relação
aos defensores do povo de Cabinda. À distância, porque, nestes tempos, em que o
destino do povo de Cabinda está em jogo, parece muitas vezes que estamos a
mercé de homens e de um jornalismo que, se uma imensa chuva de cometas varresse
o território de Cabinda, causando uma devastação equivalente àquela que matou
os dinossauros, continuariam a praticar o velho jogo da política, com a antiga
petulância, de acordo com as ancestrais regras do cinismo, sob o império de um
ego não regenerado. O silêncio sepulcral (cúmplice) do Jornal de Angola
face às denúncias de violações dos
Direitos Humanos em Cabinda amolda - se com perfeição a essa teoria.
Talvez V. Exa se interrogará se havia absoluto no
fluir da história. A resposta mais aproximada seria esta dada por Fidelino de
Figueiredo aos cépticos da inteligência: «Pode havê-lo na interpretação e
avaliação dêsse perpétuo fluir, quando o interpretador e avaliador se guia por
um quadro de valores permanentes, acima do inquieto humor da emoção, da paixão
e do interêsse pessoal de partido ou de classe; quando, sem deshumanizar
valores inevitavelmente humanas - e
humano significa neste instante: precário e tendencioso, obedecendo à condição
de animal em luta com uma natureza hóstil e em frente de um universo
inexplicado - quando considera esses
valores dum superior ponto de vista humano -
e humano significará agora solidariedade duma simpatia totalizadora, a
síntese daqueles graus de universal, que H. Rickert enumerou».
Que o activista dos direitos humanos de Cabinda desvalorize
também a atitude estética, saiba
desprezar, é consequência da tendência fundamental do seu espírito. E de
desprezo independemente de desejá-lo, mas pelo facto de o ser radicalmente, ao
dar-se ao trabalho de «arrancar muitas mascaras», pôr a descoberto muitas
«caras de criminosos», e afirmar a «Dignidade do povo Binda». Recordo aqui Nietsche:
«Amo-vos deveras, homens superiores, porque sabeis desprezar». Mas acrescenta:
«Mas os grandes desprezadores são os grandes reverenciadores ...»
Assim sendo, penso que, em vez de sustentar esta
política de extermínio dos activistas de Cabinda, V. Exa deveria iniciar , uma
«política cultural», ou seja, exercer a sua acção, primeiro, no sentido de
preparar uma autêntica cultura de debates das grandes questões de Angola, após
a depuração de todos os elementos que actualmente a falseam, nos seus próprios
domínios. Melhor dizendo, para merecer o louvor e a oportunidade que se lhe
oferece para crescer em competência jornalística, V. Exa deveria tentar avaliar
quais são, e como surgiram os problemas que enfermam a actual democracia angolana,
as atitudes políticas, tanto da oposição quanto do partido no poder, em vista a
dominar a incultura e terminar com os privilégios injustificados.
Em vez de continuar a se enfileirar na linha
editorialista da «Pravda de Angola», em virtude da actual perversão totalitária
dos seus propósitos primários, V. Exa
tem de compreender claramente que a opinião pública aspira por um jornalismo responsável
no trato dos grandes temas da actualidade angolana, desde a reforma
constitucional do governo, com o fito de igualar o poder e promover o processo democrático e
do estado de direito, até à justa partilha da produção nacional e da riqueza
acumulada da comunidade, por todos os seus membros trabalhadores, sem qualquer
espírito partidarista mesmo na maneira de abordar a delicada «Questão de
Cabinda».
O povo de Cabinda é indelevelmente, e só pode ser esse único personagem que
é. Mas é vão pretender modificar aquilo
que este povo é ou, melhor, que Deus instiuiu. Como a vida é sempre drama,
também o é, e mais horrível, a destes activistas dos Direitos Humanos de
Cabinda. Mas não vão negar o direito de fazer outra coisa que mudar o actual
figurino socio - político herdado de uma «descolonização desastrosa». "Porque quem renuncia a ser o que tem a
ser, já se matou em vida, é o «suicida em pé»", dizia José Ortega Y
Gasset.
E por grande que seja a dúvida de V. Exa sobre as
«as eternas verdades as bem aventuranças daqueles que agora têm fome e sede de
Justiça», e por muito que «os novos herodes» persigam os homens de boa vontade,
̋a
estirpe do activismo cívico em Cabinda não vai morrer nunca ̋, e «a Nova Jerusalém» será restaurada na sua
radiosa Beleza.
Cabinda, 01 de Julho de 2012
José Marcos Mavungo
Activista dos Direitos Humanos
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