O ministro
da Defesa de Portugal desafiou hoje o bispo das Forças Armadas a escolher entre
a sua função de membro da Igreja ou a de comentador político e a apresentar na
Procuradoria-Geral da República "os factos que fundamentem" as suas
declarações.
Por outras palavras,
se é membro da Igreja, D. Januário Torgal Ferreira não tem direito a ter
opinião. É tão simples quanto isso. Sobretudo se as críticas visam o PSD.
Quando eram contra o PS, aí José Pedro Aguiar-Branco abria todas as excepções
que fossem necessárias.
Pelos
vistos, o ministro (a mando, obviamente, do chefe do posto) não gosta mesmo
nada de um bispo que teima em pôr os portugueses a pensar pela própria cabeça e
a rejeitar qualquer intervenção cirúrgica que vise a substituição da coluna
vertebral.
Calculo que
custe ouvir o bispo dizer que se Francisco Sá Carneiro fosse vivo caía para o
lado. No entanto, como já morreu, deve estar – segundo D. Januário Torgal
Ferreira - a dar voltas no túmulo já que, acrescenta, a austeridade é uma
espécie de "terrorismo".
"A mim,
também me dava jeito um desvio colossal. Depois em Março alguém pagava",
disse, desconfiado das razões que levaram à decisão pelas novas medidas de
austeridade. "Nada é explicado. Fico com uma grave suspeita sobre a
verdade de tudo isto", acrescentou em tempos D. Januário Torgal Ferreira,
em declarações à RTP.
O ministro
(a mando, obviamente, do chefe do posto) não gosta mesmo nada de ouvir o bispo
dizer que "a Igreja tem de respeitar a justiça e lutar pelos direitos
humanos. Não pode acatar qualquer acto terrorista”, seja ele “o intelectual ou
o do medo".
Ao contrário
de muitos, como Aguiar-Branco, há muito tempo que D. Januário Torgal Ferreira entende
que dizer o que pensa ser a verdade é a melhor qualidade dos homens de bem. Em
Julho de 2010, por exemplo, já afirmava
que não entendia bem as medidas de austeridade impostas pelo Governo de
então, avisando que poderiam ter elevados os custos sociais.
“É preciso
ter muito cuidado. Porque é nestas horas que se fazem grandes fortunas. E,
sobretudo, é nestas horas em que os mais pobres ficam mais pobres e alguns
ricos ficam muitíssimo mais ricos”, disse o prelado no Funchal, à margem da
comemoração dos 58 anos da Força Aérea Portuguesa.
Pois é. Mais
uma vez o bispo tinha razão. José Sócrates foi filosofar para outra freguesia e
o seu sucessor adoptou o mesmo receituário, variando apenas a cor do papel da
receita.
De facto,
tal como o PS, o PSD tudo faz para que os poucos que têm milhões passem a ter
mais milhões, ao mesmo tempo que os milhões que têm pouco ou nada passem a ter
ainda menos.
Isso não
impede (pelo contrário) que, como é basilar no Jornalismo - não no (jorna)lismo
-, aqui se continue a dizer o que se pensa ser a verdade, mesmo que isso
desagrade aos donos do reino e aos donos dos donos.
Para já, o
reino lusitano regista um milhão e duzentos mil desempregados, 20% da população
a viver na miséria e mais 20% a viver na pobreza. A fazer fé no que se vai conhecendo, estes
números vão continuar a subir. Sempre, é claro, a bem da nação, diria com
certeza Aguiar-Branco.
“Nós temos
de lutar e dizer em voz alta, com respeito, respeitando a liberdade,
respeitando as pessoas, mas respeitando antes de mais a verdade”, apontou D.
Januário Torgal Ferreira.
Porque D.
Januário Torgal Ferreira teve o que no seu tempo não era raro, mas que hoje é
raríssimo, o privilégio de nascer com coluna vertebral, certamente que daqui a
alguns meses o vamos ver a repetir estas afirmações.
É claro que
ao bispo das Forças Armadas é, apesar dos ataques do ministro, mais fácil dizer
estas verdades. Desde logo porque, ao que julgo, o actual (como o anterior)
ministro da Defesa não o despediu ou – como fez o governo anterior e o fará o
actual - deu cobertura a despedimentos colectivos nas Forças Armadas.
Eu sei que
caberia aos jornalistas (ainda há por aí alguns que teimam em dar voz a quem a
não tem) estar na primeira linha dos que, “com respeito, respeitando a
liberdade, respeitando as pessoas”, devem sobretudo “respeitar antes de mais a
verdade”.
No entanto,
por experiência própria, os jornalistas sabem que, neste reino lusitano, dizer
a verdade é mais de meio caminho andado para o desemprego. E tanto sabem disso
que com extrema facilidade trocaram as amizades do Largo do Rato pelas da Rua
de São Caetano.
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