quinta-feira, julho 19, 2012

Tolerância zero para a hipocrisia!




O presidente da Comissão Europeia, presente em Moçambique para participar na Cimeira da CPLP, acusa o governo de transição da Guiné-Bissau, a quem chama de “uma minoria”, de tomar “todo o país como refém”.

Durão Barrosos, como é óbvio, não está só. Só está, como sempre esteve, o Povo guineense. Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, José Eduardo dos Santos estão todos em sintonia. Para eles há golpistas bons e golpistas maus. Estes são, segundo a bitola em vigor, escrita em dólares, maus, muito maus.

Cavaco Silva, também presente em Maputo, mostrou-se confiante na decisão que virá a ser tomada pela CPLP. O Presidente da República portuguesa crê numa decisão que se enquadre nos “valores estruturantes" da organização. "Amanhã haverá, com certeza, uma decisão, mas estou convencido que será dada no sentido da defesa dos valores estruturantes da nossa comunidade", disse aos jornalistas.

Em relação à Guiné-Bissau, Paulo Portas mostrou-se intransigente, afirmando que a CPLP teve sempre uma posição de “tolerância zero para golpes de estado e golpistas”. Para alguns, importa recordar ao presidente do CDS.

O ministro dos Negócios Estrangeiros relembrou a coerência que Portugal sempre teve quanto a esta questão e relembrou que “o continente africano, precisa dessa estabilidade”, e portanto, “deve haver tolerância zero quanto às alterações inconstitucionais da ordem democrática estabelecida".

Entretanto, o Presidente de transição da Guiné-Bissau, Serifo Nhamadjo, apelou ao diálogo com a CPLP, ressalvando que “para resolver os problemas temos de estar todos do mesmo lado”.

Tolerância zero? Quando o primeiro-presidente da Guiné-Bissau, Luís Cabral, foi deposto por um golpe de Estado liderado por “Nino” Vieira, em 1980, por onde andava a tolerância zero?

Um ano antes de morrer, em 9 de Julho de 2008, Luís de Almeida Cabral considerou que a existência de tráfico de droga no seu país natal constitui uma "vergonha", apelando às autoridades de Bissau para combaterem o fenómeno: "É uma situação muito má. Desejo que as autoridades e o povo guineenses possam combater esta vergonha que não traz nada de bom".

Pois é. Mas nessa altura, também nessa altura, tudo ficou na mesma. E ficou assim, calculo, porque ainda não existiam a ONU, a CPLP, Portugal, Angola, Cavaco Silva, Durão Barroso, Paulo Portas e, é claro, a tolerância zero.

Alguém ainda se lembra que, em 18 de Maio de 2009, o  Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Luís Manuel Cabral, disse que a instituição estava sem dinheiro para continuar o processo de investigação aos assassínios do Presidente 'Nino' Vieira e do general Tagmé Na Waié?

Será que Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser responsável pela morte de Amílcar Cabral,  "Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?

"Carlos Gomes Júnior tem que responder no Tribunal Penal Internacional pelas atrocidades que está a cometer", no país, defendeu nesse dia Kumba Ialá, acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no futuro".

No âmbito da tolerância zero, Cavaco Silva e companhia estão preocupados com Carlos Gomes Júnior, exigindo o regresso à normalidade institucional. Quando os EUA, por exemplo, avisaram as autoridades da Guiné-Bissau que o novo chefe das Forças Armadas não poderia estar implicado nos acontecimentos de 1 de Abril (2010), como era o caso do major-general António Indjai, o que fez Gomes Júnior?

Escolheu (e o presidente Balam Bacai Sanhá aceitou) para chefiar as Forças Armadas, nem mais nem menos do que... António Indjai.

Recorde-se que Indjai foi o protagonista dos acontecimentos militares de 1 de Abril e que chegou (embora depois tenha pedido desculpa) a ameaçar de morte o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior.

Cavaco Silva já condenara (13 de Abril) "veementemente o golpe de Estado na Guiné-Bissau”, apelando a uma posição "firme e determinada" da comunidade internacional. Depois passou a dormir descansado e a fazer as contas para saber se a sua reforma dá para pagar as despesas.

O discurso de Cavaco Silva para felicitar Carlos Gomes Júnior como novo presidente da Guiné-Bissau já estava escrito. Se calhar teria apenas alterar o nome. Aliás o texto é sempre o mesmo. Primeiro foi o de “Nino” Vieira, depois o de Malam Bacai Sanhá.

"Tendo tomado conhecimento das suas novas funções como presidente da República da Guiné-Bissau, é com satisfação que endereço a Vossa Excelência, em nome do Povo português e em meu próprio, as mais sinceras felicitações e votos de sucesso no desempenho das altas funções que, de forma tão expressiva, foi chamado a desempenhar, pelo Povo irmão da Guiné-Bissau", dirá certamente a mensagem a enviar de Belém a quem vier a ser o dono da Guiné-Bissau.

Neste parágrafo até não foi necessário acrescentar nada. O Vossa Excelência que serviu para "Nino" dá para qualquer um, seja Carlos Gomes Júnior, Kumba Ialá ou António Indjai.

Cavaco Silva sabe (ou não fosse ele um pobre reformado) que civismo e democracia não se conjugam com a barriga vazia, mas esse é um problema dos outros...

"Estou seguro de que o mandato de Vossa Excelência será pautado pela defesa do processo de reforma e consolidação das instituições da Guiné-Bissau, que conta com o firme apoio de Portugal e que constitui uma condição indispensável para assegurar o futuro de paz e de desenvolvimento económico e social a que o Povo da Guiné-Bissau tem direito", escreveu, escreve e escreverá o Presidente português, seja qual for o dono do país.

O Chefe de Estado português irá de novo, sem pinta de originalidade, sublinhar a importância que atribui "aos laços históricos de profunda amizade que unem os dois países e ao reforço continuado da cooperação entre Portugal e a Guiné-Bissau, quer no plano bilateral, quer no quadro multilateral, muito em particular no âmbito da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)".

Pois. Portugal não está (ou pelo menos não parece estar) interessado em ensinar os guineenses a pescar. Vai, no entanto, mandando para lá umas sardinhas. E mesmo estas começam a fazer falta em Portugal, país onde os cidadãos de segunda – a esmagadora maioria – já incluem o farelo na sua dieta alimentar.

"Reiterando-lhe as minhas felicitações, peço-lhe que aceite os votos que formulo pelo bem-estar pessoal de Vossa Excelência assim como pela prosperidade e progresso do Povo irmão da Guiné-Bissau", finalizará o Presidente português.

É isso aí. Votos de prosperidade e progresso para um Povo irmão que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois... com fome (dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade).

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