O presidente
da Comissão Europeia, presente em Moçambique para participar na Cimeira da
CPLP, acusa o governo de transição da Guiné-Bissau, a quem chama de “uma
minoria”, de tomar “todo o país como refém”.
Durão
Barrosos, como é óbvio, não está só. Só está, como sempre esteve, o Povo guineense.
Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, José Eduardo dos Santos estão todos
em sintonia. Para eles há golpistas bons e golpistas maus. Estes são, segundo a
bitola em vigor, escrita em dólares, maus, muito maus.
Cavaco
Silva, também presente em Maputo, mostrou-se confiante na decisão que virá a
ser tomada pela CPLP. O Presidente da República portuguesa crê numa decisão que
se enquadre nos “valores estruturantes" da organização. "Amanhã haverá,
com certeza, uma decisão, mas estou convencido que será dada no sentido da
defesa dos valores estruturantes da nossa comunidade", disse aos
jornalistas.
Em relação à
Guiné-Bissau, Paulo Portas mostrou-se intransigente, afirmando que a CPLP teve
sempre uma posição de “tolerância zero para golpes de estado e golpistas”. Para
alguns, importa recordar ao presidente do CDS.
O ministro
dos Negócios Estrangeiros relembrou a coerência que Portugal sempre teve quanto
a esta questão e relembrou que “o continente africano, precisa dessa
estabilidade”, e portanto, “deve haver tolerância zero quanto às alterações
inconstitucionais da ordem democrática estabelecida".
Entretanto, o
Presidente de transição da Guiné-Bissau, Serifo Nhamadjo, apelou ao diálogo com
a CPLP, ressalvando que “para resolver os problemas temos de estar todos do
mesmo lado”.
Tolerância
zero? Quando o primeiro-presidente da Guiné-Bissau, Luís Cabral, foi deposto
por um golpe de Estado liderado por “Nino” Vieira, em 1980, por onde andava a
tolerância zero?
Um ano antes
de morrer, em 9 de Julho de 2008, Luís de Almeida Cabral considerou que a
existência de tráfico de droga no seu país natal constitui uma
"vergonha", apelando às autoridades de Bissau para combaterem o
fenómeno: "É uma situação muito má. Desejo que as autoridades e o povo
guineenses possam combater esta vergonha que não traz nada de bom".
Pois é. Mas
nessa altura, também nessa altura, tudo ficou na mesma. E ficou assim, calculo,
porque ainda não existiam a ONU, a CPLP, Portugal, Angola, Cavaco Silva, Durão
Barroso, Paulo Portas e, é claro, a tolerância zero.
Alguém ainda
se lembra que, em 18 de Maio de 2009, o
Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Luís Manuel Cabral, disse
que a instituição estava sem dinheiro para continuar o processo de investigação
aos assassínios do Presidente 'Nino' Vieira e do general Tagmé Na Waié?
Será que
Kumba Ialá tinha razão quando, em 17 de Junho de 2009, acusou o PAIGC de ser
responsável pela morte de Amílcar Cabral,
"Nino" Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó?
"Carlos
Gomes Júnior tem que responder no Tribunal Penal Internacional pelas
atrocidades que está a cometer", no país, defendeu nesse dia Kumba Ialá,
acrescentando que "há pessoas a quererem vender a Guiné-Bissau", mas
esclarecendo que "serão responsáveis pelas turbulências que terão lugar no
futuro".
No âmbito da
tolerância zero, Cavaco Silva e companhia estão preocupados com Carlos Gomes
Júnior, exigindo o regresso à normalidade institucional. Quando os EUA, por
exemplo, avisaram as autoridades da Guiné-Bissau que o novo chefe das Forças
Armadas não poderia estar implicado nos acontecimentos de 1 de Abril (2010),
como era o caso do major-general António Indjai, o que fez Gomes Júnior?
Escolheu (e
o presidente Balam Bacai Sanhá aceitou) para chefiar as Forças Armadas, nem
mais nem menos do que... António Indjai.
Recorde-se
que Indjai foi o protagonista dos acontecimentos militares de 1 de Abril e que
chegou (embora depois tenha pedido desculpa) a ameaçar de morte o
primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior.
Cavaco Silva
já condenara (13 de Abril) "veementemente o golpe de Estado na
Guiné-Bissau”, apelando a uma posição "firme e determinada" da
comunidade internacional. Depois passou a dormir descansado e a fazer as contas
para saber se a sua reforma dá para pagar as despesas.
O discurso
de Cavaco Silva para felicitar Carlos Gomes Júnior como novo presidente da
Guiné-Bissau já estava escrito. Se calhar teria apenas alterar o nome. Aliás o
texto é sempre o mesmo. Primeiro foi o de “Nino” Vieira, depois o de Malam
Bacai Sanhá.
"Tendo
tomado conhecimento das suas novas funções como presidente da República da
Guiné-Bissau, é com satisfação que endereço a Vossa Excelência, em nome do Povo
português e em meu próprio, as mais sinceras felicitações e votos de sucesso no
desempenho das altas funções que, de forma tão expressiva, foi chamado a
desempenhar, pelo Povo irmão da Guiné-Bissau", dirá certamente a mensagem a
enviar de Belém a quem vier a ser o dono da Guiné-Bissau.
Neste
parágrafo até não foi necessário acrescentar nada. O Vossa Excelência que
serviu para "Nino" dá para qualquer um, seja Carlos Gomes Júnior,
Kumba Ialá ou António Indjai.
Cavaco Silva
sabe (ou não fosse ele um pobre reformado) que civismo e democracia não se
conjugam com a barriga vazia, mas esse é um problema dos outros...
"Estou
seguro de que o mandato de Vossa Excelência será pautado pela defesa do
processo de reforma e consolidação das instituições da Guiné-Bissau, que conta
com o firme apoio de Portugal e que constitui uma condição indispensável para
assegurar o futuro de paz e de desenvolvimento económico e social a que o Povo
da Guiné-Bissau tem direito", escreveu, escreve e escreverá o Presidente
português, seja qual for o dono do país.
O Chefe de
Estado português irá de novo, sem pinta de originalidade, sublinhar a
importância que atribui "aos laços históricos de profunda amizade que unem
os dois países e ao reforço continuado da cooperação entre Portugal e a
Guiné-Bissau, quer no plano bilateral, quer no quadro multilateral, muito em
particular no âmbito da CPLP (Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa)".
Pois.
Portugal não está (ou pelo menos não parece estar) interessado em ensinar os
guineenses a pescar. Vai, no entanto, mandando para lá umas sardinhas. E mesmo
estas começam a fazer falta em Portugal, país onde os cidadãos de segunda – a
esmagadora maioria – já incluem o farelo na sua dieta alimentar.
"Reiterando-lhe
as minhas felicitações, peço-lhe que aceite os votos que formulo pelo bem-estar
pessoal de Vossa Excelência assim como pela prosperidade e progresso do Povo
irmão da Guiné-Bissau", finalizará o Presidente português.
É isso aí.
Votos de prosperidade e progresso para um Povo irmão que continua a ser gerado
com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois... com fome (dois em cada
três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre
antes dos cinco anos de idade).
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