quarta-feira, julho 04, 2012

Portugal vai a despacho a… Luanda



Depois de a troika ter decidido, e bem, acabar com os intermediários, o que a leva a debater com Isabel dos Santos a resolução dos problemas de Portugal, também os ministros lusos vão a despacho ao reino de Eduardo dos Santos.

O ministro português da Economia, no cumprimento do seu dever, está em Luanda pela segunda vez no espaço de 45 dias. A isso obriga a agenda de trabalho do regime angolano.

Para disfarçar a submissa missão de subalterno, Álvaro Santos Pereira  deitou faladura a propósito de uma coisa de que ouviu falar mas que, como muitas outras, não sabe o que é: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Segundo o ministro, a CPLP deve ser um instrumento para a promoção de redes de negócios e parcerias empresariais com capacidade acrescida de intervenção nos mercados. Como a CPLP é um elefante branco, Santos Pereira acredita (e se calhar tem razão) que é possível transformá-la um burro às riscas e vendê-la como zebra.

Sobre o que está a fazer em Luanda, para além de receber ordens, o ministro repete os contactos com quem manda e a visita, diz ele, a empresas portuguesas que, por educação, o recebem. Só mesmo por educação. Na prática, os seus responsáveis só falam com quem decide, e esses os dirigentes do MPLA.

“A língua deve ser o nosso instrumento económico, promovendo redes de negócios, promovendo parcerias, promovendo empresas conjuntas para conseguirmos aumentar o músculo económico das nossas empresas no mundo”, acrescentou Álvaro Santos Pereira, fazendo uma douta ligação entre a língua e o músculo.

Sempre que Portugal não sabe o que anda a fazer, e quase sempre não sabe, emoldura a submissão perante o regime angolano com a designação de parceria estratégica. Parceria onde o MPLA manda e Portugal obedece.

O ministro português integra na sua comitiva lagostiana uma delegação de 13 empresários ligados às áreas da energia, água, resíduos, construção, turismo, indústria farmacêutica e construção naval. Parceiros, obviamente, estratégicos.

Álvaro Santos Pereira participa em duas iniciativas, articuladas com o regime do “querido líder”, que demonstrarão a importância da participação de empresas portuguesas no programa de investimentos públicos angolano e o destaque das trocas comerciais entre os países de língua portuguesa.

“Esta visita vai permitir desenvolver vários contactos ao nível governamental, mas também visitar as empresas portuguesas que estão no terreno, falar com os empresários, falar com os trabalhadores portugueses. Falar e saber quais são as dificuldades e as oportunidades que as empresas portuguesas estão a sentir neste importante país irmão”, salientou Álvaro Santos Pereira com aquele angelical ar de quem já não precisa de usar vaselina, tal é a prática de estar de cócoras.

Reconheço, contudo, que o regime angolano, liderado desde 1975 pelo MPLA,  achar grande piada ao governo português dirigido pelo “africanista de Massamá”,  Passos Coelho.

José Eduardo dos Santos, um presidente que está no poder há 33  anos sem nunca ter sido eleito, perdeu um velho amigo, José Sócrates, mas encontrou na dupla Passos Coelho/Paulo Portas novos amigos que continuam a  abrir as portas que existem e as que não existem à entrada triunfal do seu clã.

Também o actual governo português não está interessado em que o MPLA alguma vez deixe de ser dono de Angola. O processo de bajulação continua a bem, dizem, de uma diplomacia económica que – neste caso – se está nas tintas para os angolanos.

Embora já não tendo, como no tempo de Sócrates, tantos ditadores para idolatrar, o governo português continua a querer dar-se bem com os que existem, sobretudo com aqueles que têm dinheiro para ajudar a flutuar as ocidentais praias lusitanas.

Paulo Portas, que até foi excepcionalmente recebido pelo dono de Angola, acredita que o importante para Portugal são os poucos que têm milhões e não, claro, os milhões que têm pouco… ou nada. E tem razão. São esses poucos que compraram o seu país, dando em troca o estatuto de protectorado.

E se Portas diz que as relações com Angola são excelentes, é porque são mesmo. Eu diria bem mais do que excelentes... na óptica da Oferta Pública de Aquisição lançada por Angola (que não pelos angolanos) sobre Portugal.

Tão excelentes como os 68% (68 em cada 100) de angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.

Tão excelentes como o facto de 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Tão excelentes como Angola ser um dos países mais corruptos do mundo.

Tão excelentes como a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos.

Tão excelentes como o facto de 80% do Produto Interno Bruto ser produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada ser subtraída do erário público e estar concentrada em menos de 0,5% de uma população.

Tão excelentes como a certeza de que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Tão excelente como o facto de Portugal ter mais de um milhão e duzentos mil desempregados, 20 por cento de pobres e outros tantos que estão quase a saber viver sem comer e a morrar sem ir ao médico.

Parafraseando José Sócrates, não basta ser ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, das Finanças, da Economia, da Agricultura, dos Assuntos Parlamentares para saber contar até doze sem ter de se descalçar... Mas, é claro, ser do governo é suficiente para, por ajuste directo, entregar ao dono de Angola tudo o que ele quiser. Espera-se, aliás,  que queira tudo e mais alguma coisa.

Sem comentários: