segunda-feira, julho 30, 2012

O que é preciso fazer, ter ou comprar para ser, de jure e de facto, considerado angolano?




Pelos vistos realizou-se este fim-de-semana, em Matosinhos (Porto), um Encontro Inter-Regional das Comunidades Angolanas Residentes nas Regiões Norte e Centro de Portugal.

O evento foi realizado pelo Consulado Geral de Angola no Porto, tendo, segundo a Angop, participado mais de 1.200 pessoas que, entre outras coisas, afirmaram que a realização do senso dos cidadãos angolanos residentes no estrangeiro vai permitir que “constem da estatística nacional e que o Governo faça um planeamento real e científico do desenvolvimento do país”.

Pelos vistos o encontro foi mesmo à minha porta. E como me passou ao lado, fui ver o que dizia o site do Consulado organizador. Não encontrei nenhuma notícia a anunciar o evento. Reconheço que isso também não é importante. É que para se ser angolano é certamente preciso uma autorização especial de alguém, presumo que do dono do país mediante proposta dos seus representantes em Portugal, no caso do Cônsul no Porto, Bento Salazar André, ou do Embaixador,José Marcos Barrica.

Mas a consulta ao site do Consulado, como se vê na imagem, até me foi muito útil. Fiquei, por exemplo, a saber que a minha cidade, Huambo, não é uma das principais cidades de Angola.

E não é porque, calculo, foi lá que no dia 11 de Novembro de 1975 também a UNITA e a FNLA declararam uma outra independência. Ou será por ser uma zona em que há uma espécie menor de angolanos conhecida pelo regime como kwachas?

Também poderá ser porque, quando em Junho de 2009, o  director-executivo do Comité Organizador do Campeonato Africano das Nações2010 (COCAN) foi a Lisboa fazer a primeira apresentação da CAN 2010,  lembrou que, “para quem conhece um pouco da história de Angola”, nos tempos dos portugueses “o Lubango era chamado de Nova Lisboa”.

Sem mais nem menos. A António Mangueira, numa relevante demonstração dos seus conhecimentos da história de Angola, só faltou dizer que, se calhar, a cidade do Huambo era chamada para aí (deixa lá ver!) de Sá da Bandeira...

Este Encontro Inter-Regional das Comunidades Angolanas Residentes nas Regiões Norte e Centro de Portugal traz-me à memória um episódio que data de 28 de Julho de 2007.

Nesse dia, na Faculdade de Economia do Porto realizou-se uma conferência sobre o processo eleitoral em Angola. Caetano de Sousa, presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), foi o orador principal do evento ao qual compareceram cerca de 200 angolanos de primeira e mais meia dúzia de segunda.

Com uma hora de atraso, o encontro começou com o aplauso da assistência à entrada do Embaixador de Angola, Assunção Afonso Sousa dos Anjos, bem como das cônsules em Lisboa e no Porto, respectivamente Elisabeth Simbrão e Maria de Jesus dos Reis Ferreira, e ao orador convidado.

Por deficiências sonoras, que nada preocuparam a assistência, pouco percebi do que disse o Embaixador ou do que afirmou Caetano de Sousa. Também é certo que, diga-se em abono da verdade, abandonei a sessão no início da intervenção do presidente da CNE.

E abandonei a sessão porque descobri que, afinal, o meu lugar não era ali. E descobri isso graças à oportuna explicação de gente ligada à organização, presumo que do Consulado no Porto.

Explico. No meio dos tais 200 cidadãos presentes estavam pouco mais de meia dúzia de brancos, mesmo contando com o meu velho amigo Ricardo Pereira que ali se encontrava a fotografar ao serviço do Consulado.

Durante a sessão, algumas pessoas foram distribuindo pela assistência um pequeno papel que, tempos depois recolhiam. Presumo que se tratava de perguntas sobre o processo eleitoral e destinadas aos oradores.

Reparei (talvez por deficiência profissional) que esses papéis não eram entregues aos cidadãos brancos que, se não eram angolanos eram, pelo menos, amigos de Angola. Não creio que estivessem ali como penetras apenas para o faustoso beberete que estava a ser montado para o fim da festa.

Interpelei então uma das pessoas que distribuía os ditos papéis, perguntando-lhe se eu não teria direito a um deles.

A resposta foi clara e inequívoca:

“- Isto é só para angolanos”.

A tradução desta afirmação é fácil, já que nenhum dos 200 cidadãos presentes trazia qualquer rótulo a dizer: “Sou angolano”. Ou seja, queria dizer: “Isto é só para angolanos negros”.

Assim sendo, e porque sou angolano… mas branco, não tive outro remédio que não fosse abandonar a sala. Triste, é certo. Magoado, é claro. Mas como nada posso fazer quanto ao local em que nasci, ao país que amo, e muito menos quanto à minha cor, a solução foi ir embora. E assim, continua.

1 comentário:

Calcinhas de Luanda disse...

Pois mas a sua cor é a cor errada.
Antigamente haviam os brancos de primeira e os de segunda. Agora existem angolanos de primeira e de segunda. O que há de comum entre os brancos de segunda e os angolanos de segunda é precisamente o adjetivo segunda.
Antigamente pretendia-se que os brancos de segunda não tivessem os mesmos direitos de cidadania dos brancos de primeira, ou reinóis, como estes eram designados no Brasil colonial. Mas tudo se mantém de acordo com as mesmas referências de antanho. Afinal o atual regime vigente em Angola não é uma caricatura do Salazarismo? Com a agravante de que foi durante o Salazarismo que se eliminou a discriminação entre os brancos de primeira e os de segunda. Isto demonstra que o atual regime angolano ainda consegue ser mais reacionário do que aquele regime português.
A história é muito irónica!