“As
faculdades estão a ser construídas para os jovens estudarem e não para fazerem
política, nem criticarem o governo. A política faz-se nos comités e nas zonas urbanas
onde estão os partidos”.
Dir-me-ão os
leitores do Alto Hama que esta antológica afirmação só poderá ter sido feita
por Miguel Relvas, o sipaio português que, por equivalência, chegou a ministro.
Mas não. A
diferença não é muita, mas quem disse (o seu a seu dono) foi o secretário do
comité provincial do MPLA de Luanda para a periferia, Bento Kangamba, ao
discursar num acto político e cultural que decorreu no Largo da Família, em
Luanda, em apoio à candidatura do presidente José Eduardo dos Santos, como
cabeça de lista do partido às eleições de 31 de Agosto.
O que
Kangamba diz revela apenas um canino culto ao “querido líder”, sem o qual
muitos dos kangambas angolanos não conseguiriam ser sequer sipaios.
Mas não se
julgue que são só os kangambas que lambem as botas, mesmo recorrendo a frases
que envergonham o próprio Eduardo dos Santos. Manuel Nunes Júnior, ex-minitro
da Economia e actual Secretário para a Política Económica e Social do MPLA e
professor universitário, também segue a mesma linha, embora de forma mais
refinada.
Segundo ele,
a “visão estratégica” do Presidente da República, José Eduardo dos Santos,
perante a crise económica internacional, foi decisiva para manter a estabilidade macroeconómica e
desenvolver acções inseridas no processo de diversificação da economia
nacional.
Ou seja, também
na economia, tal como em todas as outras vertentes da vida, e da morte, dos
angolanos, Deus tem um representante directo (ou será ele próprio?) no país.
Sem Eduardo dos Santos seria o fim.
Manuel Nunes
Júnior, então ministro, dissertava durante a primeira jornada sócio-comunitária
sobre “A visão estratégica de Zedú para a superação dos efeitos da crise
económica e financeira mundial, em Angola”, no âmbito das comemorações do seu
67º aniversário natalício.
E porque se
trata de um aniversário, também eu me junto sempre que posso (como é agora o
caso) às louvaminhas dedicadas a José Eduardo dos Santos.
É obra. Quase
70 anos de vida e 33 como presidente, faz de Eduardo dos Santos um dos
políticos não eleitos (mas isso é irrelevante) há mais tempo no poder em todo o
mundo.
Será isso
sinal de ditadura? Não. Pelo contrário. É a democracia “made in petróleo” que
mantém o MPLA no poder desde 1975.
José Eduardo
dos Santos tinha 37 anos quando, a 21 de Setembro de 1979, foi investido no
cargo, sucedendo a António Agostinho Neto, que tinha morrido poucos dias antes
em Moscovo na sequência de uma intervenção divulgada como cirúrgica... no
sentido clínico.
Nas únicas
eleições presidenciais realizadas no país depois das independências proclamadas
a 11 de Novembro de 1975 (uma em Luanda e outra no Huambo), José Eduardo dos
Santos venceu a primeira volta, mas o resultado obtido não foi suficiente para
a sua eleição. O que, em termos práticos, nada significou.
A segunda
volta, que deveria ter disputado com Jonas Savimbi, na altura líder da UNITA,
acabou por nunca se realizar depois do maior partido da oposição ter rejeitado
os resultados eleitorais, comprovadamente viciados. Viciação repetida, embora
com mais sofisticação, nas legislativas de 2008 e com repetição anunciada para
31 de Agosto, três dias após o aniversário de Eduardo dos Santos.
Na sequência
desse diferendo, o país voltou a mergulhar num conflito armado, que apenas
terminou com a morte em combate de Jonas Savimbi, em Fevereiro de 2002, o que
inviabilizou a conclusão do processo eleitoral iniciado dez anos antes.
No início de
2005, quando o MPLA começou a supostamente preparar a realização de eleições
livres de 2008, José Eduardo dos Santos quis esclarecer as dúvidas levantadas
por alguns políticos da oposição e solicitou ao Tribunal Supremo e à Assembleia
Nacional que se pronunciassem sobre a questão, definindo se existiam condições
para convocar as presidenciais ou se era necessário concluir o processo
anterior.
A opinião
dos dois órgãos, apoiada pela generalidade dos principais partidos da oposição
e dos comentadores políticos, defendeu a impossibilidade de realizar a segunda
volta das presidenciais de 1992, não só porque um dos candidatos tinha morrido,
mas também porque o eleitorado sofrera profundas alterações.
Em Agosto de
2001, o Presidente angolano anunciou publicamente que não tencionava voltar a
candidatar-se ao cargo, remetendo-se depois ao silêncio sobre esta questão nos
anos seguintes.
Esse
silêncio apenas foi rompido em Abril de 2006, durante a visita a Angola do
primeiro-ministro português e grande apologista do MPLA, José Sócrates, quando
José Eduardo dos Santos admitiu que ainda não tinha tomado uma decisão final
sobre o assunto.
Para a
maioria dos analistas políticos angolanos já nessa altura não existia qualquer
dúvida, manifestando a convicção de que ele seria o candidato do MPLA, o que
lhe permitiria ser legitimado no cargo pelo voto popular.
E a fazer fé
nos resultados das legislativas de 2008, nem valeria a pena haver eleições…
Há quem
diga, por falta de melhor argumento, que dar os parabéns adiantados dá azar. Se
calhar é por isso que o Alto Hama se volta a adiantar, seja em relação ao
aniversário natalício, seja quanto à posse como presidente da República...
É que, ao
contrário de Bento Kangamba, aprendi que os jovens estudam para, entre outras
coisas, pensarem pela sua própria cabeça e dizerem o que pensam ser a verdade.
Mesmo quando isso se faz nas universidades.
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