segunda-feira, julho 16, 2012

Kangambas do reino estão com deus!




“As faculdades estão a ser construídas para os jovens estudarem e não para fazerem política, nem criticarem o governo. A política faz-se nos comités e nas zonas urbanas onde estão os partidos”.

Dir-me-ão os leitores do Alto Hama que esta antológica afirmação só poderá ter sido feita por Miguel Relvas, o sipaio português que, por equivalência, chegou a ministro.

Mas não. A diferença não é muita, mas quem disse (o seu a seu dono) foi o secretário do comité provincial do MPLA de Luanda para a periferia, Bento Kangamba, ao discursar num acto político e cultural que decorreu no Largo da Família, em Luanda, em apoio à candidatura do presidente José Eduardo dos Santos, como cabeça de lista do partido às eleições de 31 de Agosto.

O que Kangamba diz revela apenas um canino culto ao “querido líder”, sem o qual muitos dos kangambas angolanos não conseguiriam ser sequer sipaios.

Mas não se julgue que são só os kangambas que lambem as botas, mesmo recorrendo a frases que envergonham o próprio Eduardo dos Santos. Manuel Nunes Júnior, ex-minitro da Economia e actual Secretário para a Política Económica e Social do MPLA e professor universitário, também segue a mesma linha, embora de forma mais refinada.

Segundo ele, a “visão estratégica” do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, perante a crise económica internacional, foi decisiva para  manter a estabilidade macroeconómica e desenvolver acções inseridas no processo de diversificação da economia nacional.

Ou seja, também na economia, tal como em todas as outras vertentes da vida, e da morte, dos angolanos, Deus tem um representante directo (ou será ele próprio?) no país. Sem Eduardo dos Santos seria o fim.

Manuel Nunes Júnior, então ministro, dissertava durante a primeira jornada sócio-comunitária sobre “A visão estratégica de Zedú para a superação dos efeitos da crise económica e financeira mundial, em Angola”, no âmbito das comemorações do seu 67º aniversário natalício.

E porque se trata de um aniversário, também eu me junto sempre que posso (como é agora o caso) às louvaminhas dedicadas a José Eduardo dos Santos.

É obra. Quase 70 anos de vida e 33 como presidente, faz de Eduardo dos Santos um dos políticos não eleitos (mas isso é irrelevante) há mais tempo no poder em todo o mundo.

Será isso sinal de ditadura? Não. Pelo contrário. É a democracia “made in petróleo” que mantém o MPLA no poder desde 1975.

José Eduardo dos Santos tinha 37 anos quando, a 21 de Setembro de 1979, foi investido no cargo, sucedendo a António Agostinho Neto, que tinha morrido poucos dias antes em Moscovo na sequência de uma intervenção divulgada como cirúrgica... no sentido clínico.

Nas únicas eleições presidenciais realizadas no país depois das independências proclamadas a 11 de Novembro de 1975 (uma em Luanda e outra no Huambo), José Eduardo dos Santos venceu a primeira volta, mas o resultado obtido não foi suficiente para a sua eleição. O que, em termos práticos, nada significou.

A segunda volta, que deveria ter disputado com Jonas Savimbi, na altura líder da UNITA, acabou por nunca se realizar depois do maior partido da oposição ter rejeitado os resultados eleitorais, comprovadamente viciados. Viciação repetida, embora com mais sofisticação, nas legislativas de 2008 e com repetição anunciada para 31 de Agosto, três dias após o aniversário de Eduardo dos Santos.

Na sequência desse diferendo, o país voltou a mergulhar num conflito armado, que apenas terminou com a morte em combate de Jonas Savimbi, em Fevereiro de 2002, o que inviabilizou a conclusão do processo eleitoral iniciado dez anos antes.

No início de 2005, quando o MPLA começou a supostamente preparar a realização de eleições livres de 2008, José Eduardo dos Santos quis esclarecer as dúvidas levantadas por alguns políticos da oposição e solicitou ao Tribunal Supremo e à Assembleia Nacional que se pronunciassem sobre a questão, definindo se existiam condições para convocar as presidenciais ou se era necessário concluir o processo anterior.

A opinião dos dois órgãos, apoiada pela generalidade dos principais partidos da oposição e dos comentadores políticos, defendeu a impossibilidade de realizar a segunda volta das presidenciais de 1992, não só porque um dos candidatos tinha morrido, mas também porque o eleitorado sofrera profundas alterações.

Em Agosto de 2001, o Presidente angolano anunciou publicamente que não tencionava voltar a candidatar-se ao cargo, remetendo-se depois ao silêncio sobre esta questão nos anos seguintes.

Esse silêncio apenas foi rompido em Abril de 2006, durante a visita a Angola do primeiro-ministro português e grande apologista do MPLA, José Sócrates, quando José Eduardo dos Santos admitiu que ainda não tinha tomado uma decisão final sobre o assunto.

Para a maioria dos analistas políticos angolanos já nessa altura não existia qualquer dúvida, manifestando a convicção de que ele seria o candidato do MPLA, o que lhe permitiria ser legitimado no cargo pelo voto popular.

E a fazer fé nos resultados das legislativas de 2008, nem valeria a pena haver eleições…

Há quem diga, por falta de melhor argumento, que dar os parabéns adiantados dá azar. Se calhar é por isso que o Alto Hama se volta a adiantar, seja em relação ao aniversário natalício, seja quanto à posse como presidente da República...

É que, ao contrário de Bento Kangamba, aprendi que os jovens estudam para, entre outras coisas, pensarem pela sua própria cabeça e dizerem o que pensam ser a verdade. Mesmo quando isso se faz nas universidades.

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