Um dia,
eventualmente a 31 de Agosto deste ano, a democracia real vai chegar a Angola.
E quando isso acontecer, Angola deixará de ser o MPLA e o MPLA deixará de ser
Angola.
Até lá os
donos do país continuarão a ser cada vez mais ricos e os angolanos continuarão
a ser cada vez mais pobres. Tem sido assim nos últimos 37 anos. Mas, como tudo
na vida, não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe.
E quando
esse dia chegar, os angolanos vão ter pelo menos os mesmos direitos dos
estrangeiros, vão deixar de ser enteados na sua própria terra.
Esta não é,
aliás, a Angola idealizada pelos angolanos e pela qual lutaram, uns de armas
nas mãos, outros com as canetas. Não é o Angola sonhado por todos. Como dizia
Teta Lando, “se tu és branco isso não interessa a ninguém, se tu és mulato isso
não interessa a ninguém, se tu és negro isso não interessa a ninguém. O que
interessa é a tua vontade de fazer uma Angola melhor. Uma Angola
verdadeiramente livre, uma Angola independente.”
Até agora o
líder do MPLA (partido que governa Angola desde 1975), presidente da República
de Angola (não eleito e há 33 anos no cargo) e chefe do Governo, José Eduardo
dos Santos, não brinca em serviço.
Não brinca
em serviço mas, isso sim, adora brincar com os angolanos e com todos aqueles
que vai comprando por esse mundo fora.
Quando no
dia 7 de Dezembro de 2009 exortou os suas súbditos a "não pactuar com a corrupção e com a
apropriação de meios do erário público ou do partido", mostrou como é
fácil e barato enganar meio mundo.
O tempo foi passando
e tudo continua na mesma, e até os mais optimistas e ingénuos começam a pensar
que nem as moscas mudam. E se os mais cépticos perguntam o que é que andaram a
fazer durante 37 anos, os mais realistas continuam a fazer contas com o dinheiro
que passa por baixo da mesa.
Recordo que
nesse dia, numa intervenção sistematicamente interrompida pelos aplausos dos
mais de 3.000 delegados ao VI Congresso, num visível e marxista culto da
personalidade do chefe, José Eduardo dos Santos deixou um lote recheado de
recados para o MPLA, para o país e para o mundo ver.
Recorde-se,
contudo, que o chefe do partido para o qual manda recados é ele próprio há
dezenas de anos, tal como o é do país. Mais uma vez, a política é a de sempre:
olhai para o que eu digo e não para o que eu (e os meus amigos) faço.
Tiveram,
aliás, bons mestres. E se tiverem dúvidas, não quanto à corrupção mas à forma
de a camuflar, basta pedirem umas lições aos velhos ou novos professores
portugueses.
"Hoje é
voz corrente equiparar a pessoa investida em funções políticas a um homem sem
palavra, desonesto e sem escrúpulos. É necessidade absoluta assumir atitudes
positivas que desfaçam essa imagem pálida e inconveniente de forma a dar
credibilidade, valorizar e repor a nobreza da função dos dirigentes
políticos".
Não, não foi
José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa
ou até Cavaco Silva quem fez esta afirmação, embora ela retrate o que se passa
no reino lusitano.
Quem o disse
foi o soba de um outro reino, no caso Eduardo dos Santos.
José Eduardo
dos Santos sublinha que o partido "tem dito isto por outras palavras"
e adverte que "as nossas palavras e promessas devem corresponder aos actos
que praticamos".
Uma treta
semelhante ao que se passa em Portugal. Treta para enganar os cerca de 70% de
angolanos que vivem na pobreza, 37 anos depois da independência e dez após a
paz ter regressado ao país, tal como em Portugal é usada para enganar um milhão
e duzentos mil desempregados, 20% de cidadãos que vivem (isto é...) na miséria
e os outros 20% que a têm à porta de casa.
Eduardo dos
Santos pediu então o "fim da intriga, dos boatos e a manipulação de factos
na comunicação social para prejudicar os outros".
Bem me
parecia que em Angola, como em Portugal, a comunicação social é a fonte de
todos os males. Foi ela, a comunicação social independente, que forçou o MPLA a
reconhecer a corrupção e outras grandes enfermidades, e é exactamente por isso
que é a culpada de tudo.
"Devemos
aperfeiçoar o modo de encarar a política, um modo pró-activo e rigoroso de
mostrar o nosso empenho e dedicação que sirva para mobilizar milhões para a
nossa causa", disse, e diz, Eduardo dos Santos, certamente depois de ter
tido num só dia o que milhões de angolanos não têm durante muitos dias:
refeições.
O presidente
da República e do MPLA disse também que "em cada 100 angolanos, 60 são
muito pobres, não conseguem comer normalmente todos os dias, não têm acesso
fácil a água potável, acesso aos cuidados de saúde nem casa normal para se
abrigar".
É preciso
ter lata. O MPLA está no poder há 37 anos, Angola está em paz há dez anos, e
mesmo assim o dono do país não assume que é ele o principal, em muitos casos o
único, responsável por este descalabro.
O
"desemprego, o analfabetismo e a pobreza são três problemas muito graves e
difíceis de resolver, que atingem especialmente as mulheres, as famílias e as
crianças", disse Eduardo dos Santos em mais uma manifesta enciclopédia de
hipocrisia que, contudo, foi aplaudida pelos súbditos de sua majestade.
Certamente
anestesiado pelas ovações dos seus vassalos, José Eduardo dos Santos disse
também que o MPLA pugna desde 1975 “pela defesa das liberdades direitos e
garantias dos cidadãos, e considera o direito à associação como
fundamental". Foi mais um atestado de menoridade passado aos angolanos.
Mas como foi dito pelo chefe... foi aplaudido.
Para os
problemas que persistem no país, como a pobreza, José Eduardo dos Santos,
retomou a evocação da "pesada herança do colonialismo" que foi
"agravada pelo período de guerra que o país viveu" até 2002.
Nisto tem
razão. Se tantos anos depois da conquista da democracia os portugueses
continuam também a desculpar-se com a pesada herança do salazarismo, é legítimo
que o MPLA acuse o colonialismo, um bode expiatório que aguenta ainda ser
utilizado aí por mais uns trinta anos.
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