sábado, julho 28, 2012

Um dia a democracia chegará a Angola
- Será já no próximo dia 31 de Agosto?





Um dia, eventualmente a 31 de Agosto deste ano, a democracia real vai chegar a Angola. E quando isso acontecer, Angola deixará de ser o MPLA e o MPLA deixará de ser Angola.

Até lá os donos do país continuarão a ser cada vez mais ricos e os angolanos continuarão a ser cada vez mais pobres. Tem sido assim nos últimos 37 anos. Mas, como tudo na vida, não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe.

E quando esse dia chegar, os angolanos vão ter pelo menos os mesmos direitos dos estrangeiros, vão deixar de ser enteados na sua própria terra.

Esta não é, aliás, a Angola idealizada pelos angolanos e pela qual lutaram, uns de armas nas mãos, outros com as canetas. Não é o Angola sonhado por todos. Como dizia Teta Lando, “se tu és branco isso não interessa a ninguém, se tu és mulato isso não interessa a ninguém, se tu és negro isso não interessa a ninguém. O que interessa é a tua vontade de fazer uma Angola melhor. Uma Angola verdadeiramente livre, uma Angola independente.”

Até agora o líder do MPLA (partido que governa Angola desde 1975), presidente da República de Angola (não eleito e há 33 anos no cargo) e chefe do Governo, José Eduardo dos Santos, não brinca em serviço.

Não brinca em serviço mas, isso sim, adora brincar com os angolanos e com todos aqueles que vai comprando por esse mundo fora.

Quando no dia 7 de Dezembro de 2009 exortou os suas súbditos a  "não pactuar com a corrupção e com a apropriação de meios do erário público ou do partido", mostrou como é fácil e barato enganar meio mundo.

O tempo foi passando e tudo continua na mesma, e até os mais optimistas e ingénuos começam a pensar que nem as moscas mudam. E se os mais cépticos perguntam o que é que andaram a fazer durante 37 anos, os mais realistas continuam a fazer contas com o dinheiro que passa por baixo da mesa.

Recordo que nesse dia, numa intervenção sistematicamente interrompida pelos aplausos dos mais de 3.000 delegados ao VI Congresso, num visível e marxista culto da personalidade do chefe, José Eduardo dos Santos deixou um lote recheado de recados para o MPLA, para o país e para o mundo ver.

Recorde-se, contudo, que o chefe do partido para o qual manda recados é ele próprio há dezenas de anos, tal como o é do país. Mais uma vez, a política é a de sempre: olhai para o que eu digo e não para o que eu (e os meus amigos) faço.

Tiveram, aliás, bons mestres. E se tiverem dúvidas, não quanto à corrupção mas à forma de a camuflar, basta pedirem umas lições aos velhos ou novos professores portugueses.

"Hoje é voz corrente equiparar a pessoa investida em funções políticas a um homem sem palavra, desonesto e sem escrúpulos. É necessidade absoluta assumir atitudes positivas que desfaçam essa imagem pálida e inconveniente de forma a dar credibilidade, valorizar e repor a nobreza da função dos dirigentes políticos".

Não, não foi José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Francisco Louçã, Jerónimo de Sousa ou até Cavaco Silva quem fez esta afirmação, embora ela retrate o que se passa no reino lusitano.

Quem o disse foi o soba de um outro reino, no caso Eduardo dos Santos.

José Eduardo dos Santos sublinha que o partido "tem dito isto por outras palavras" e adverte que "as nossas palavras e promessas devem corresponder aos actos que praticamos".

Uma treta semelhante ao que se passa em Portugal. Treta para enganar os cerca de 70% de angolanos que vivem na pobreza, 37 anos depois da independência e dez após a paz ter regressado ao país, tal como em Portugal é usada para enganar um milhão e duzentos mil desempregados, 20% de cidadãos que vivem (isto é...) na miséria e os outros 20% que a têm à porta de casa.

Eduardo dos Santos pediu então o "fim da intriga, dos boatos e a manipulação de factos na comunicação social para prejudicar os outros".

Bem me parecia que em Angola, como em Portugal, a comunicação social é a fonte de todos os males. Foi ela, a comunicação social independente, que forçou o MPLA a reconhecer a corrupção e outras grandes enfermidades, e é exactamente por isso que é a culpada de tudo.

"Devemos aperfeiçoar o modo de encarar a política, um modo pró-activo e rigoroso de mostrar o nosso empenho e dedicação que sirva para mobilizar milhões para a nossa causa", disse, e diz, Eduardo dos Santos, certamente depois de ter tido num só dia o que milhões de angolanos não têm durante muitos dias: refeições.

O presidente da República e do MPLA disse também que "em cada 100 angolanos, 60 são muito pobres, não conseguem comer normalmente todos os dias, não têm acesso fácil a água potável, acesso aos cuidados de saúde nem casa normal para se abrigar".

É preciso ter lata. O MPLA está no poder há 37 anos, Angola está em paz há dez anos, e mesmo assim o dono do país não assume que é ele o principal, em muitos casos o único, responsável por este descalabro.

O "desemprego, o analfabetismo e a pobreza são três problemas muito graves e difíceis de resolver, que atingem especialmente as mulheres, as famílias e as crianças", disse Eduardo dos Santos  em mais uma manifesta enciclopédia de hipocrisia que, contudo, foi aplaudida pelos súbditos de sua majestade.

Certamente anestesiado pelas ovações dos seus vassalos, José Eduardo dos Santos disse também que o MPLA pugna desde 1975 “pela defesa das liberdades direitos e garantias dos cidadãos, e considera o direito à associação como fundamental". Foi mais um atestado de menoridade passado aos angolanos. Mas como foi dito pelo chefe... foi aplaudido.

Para os problemas que persistem no país, como a pobreza, José Eduardo dos Santos, retomou a evocação da "pesada herança do colonialismo" que foi "agravada pelo período de guerra que o país viveu" até 2002.

Nisto tem razão. Se tantos anos depois da conquista da democracia os portugueses continuam também a desculpar-se com a pesada herança do salazarismo, é legítimo que o MPLA acuse o colonialismo, um bode expiatório que aguenta ainda ser utilizado aí por mais uns trinta anos.

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