Cavaco Silva
deve ter um prazer especial em, sob a suas austera máscara de presidente, gozar
com os portugueses. Comporta-se como se nada tivesse a ver com a
institucionalização de um Estado esclavagista em Portugal.
Em entrevista
a um jornal holandês, o presidente da República diz-se “muito preocupado” com
os efeitos da crise na coesão social e defende "uma nova atitude da
Europa".
Cavaco Silva
diz que os portugueses foram “demasiado negligentes” e estão hoje a sofrer as
consequências de “uma vida fácil”. E ele
é o quê? Alemão? Onde andou ele durante as últimas décadas?
Será que ele
se esqueceu que foi primeiro-ministro de
6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, que venceu as eleições
presidenciais de 22 de Janeiro de 2006 e foi reeleito a 23 de Janeiro de 2011?
Na
entrevista, Cavaco Silva diz acreditar que Portugal vai ultrapassar a actual
crise financeira, mas mostra-se “muito preocupado” quanto aos efeitos da
austeridade na coesão social.
"A
crise requererá muito tempo. Devemos romper o círculo vicioso. Temos uma
recessão e o desemprego aumenta rapidamente. Ando muito preocupado com a coesão
social, com o desemprego entre os jovens, com o perigo da exclusão social dos
pobres. A nossa resistência vai ser muito posta à prova em 2012", defende
o chefe de Estado, numa entrevista ao diário "Financieele Dagblad".
Foi pena que
Cavaco Silva não tenha citado o seu próprio exemplo. Ou seja, que em termos
vitalícios só tem direito a 4.152 euros do Banco de Portugal, a 2.328 euros da
Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros de primeiro-ministro.
Cavaco Silva
considera que os portugueses tiveram “uma vida fácil” quando o país entrou na
Zona Euro e que houve excessivo investimento em bens não transaccionáveis. Lamenta
ainda a maneira como o país negou as consequências da impossibilidade de ter
uma política de taxas de câmbio. "Fomos, portanto, demasiado
negligentes."
O Presidente
refere, por outro lado, que, apesar das duras medidas de austeridade que o
Governo “pretende realmente implementar”, os portugueses têm demonstrado
"grande responsabilidade patriótica".
Têm sim,
senhor! Até já sabem, ou quase, viver sem comer e conseguem morrer sem ir ao
médico. E tudo, como é óbvio, se que se possa apontar o dedo a Cavaco Silva
primeiro-ministro durante dez anos, ou a Cavaco Silva presidente da República
há seis anos.
Cavaco Silva
continua a dizer sempre as mesmas coisas e a fazer sempre o mesmo, ou seja:
nada. Vejamos, por exemplo, o que disse no dia 17 de Março, em Mirandela. Disse
que a “confiança é palavra chave” no momento actual do país para “mobilizar os
cidadãos e vencer as dificuldades”.
Como
verdadeiro homem do leme, que nunca se engana e raramente tem dúvidas, continua
a ser gratificante ver como Cavaco Silva comanda a nau catrineta que navega nas
tumultuosas águas da banheira do Palácio de Belém.
“A confiança
é a palavra verdadeiramente chave neste momento. Sem confiança os empresários
não investem, os empresários não contratam mais pessoas, sem confiança é
difícil atrair o investimento estrangeiro, sem confiança os capitais procuram
outras paragens, sem confiança é difícil mobilizar os cidadãos para vencer as
dificuldades”, afirmou.
Bem dito,
embora tenha esquecido (como é habitual) a outra parte. Ou seja, sem confiança
os portugueses não aprendem a viver sem comer, sem confiança não aprendem a
morrer sem ir ao hospital, sem confiança não aprendem a não ter vergonha de
andar com uma mão à frente e outra atrás, sem confiança não olham com orgulho
paras os bolsos vazios, sem confiança
não se sentem felizes por António Mexia ter tido uma remuneração 1,04
milhões de euros no ano passado.
Nos tempos
difíceis que o país atravessa, o “desafio mais sério” para o presidente da República
“é o combate ao desemprego” e “a
confiança é uma chave que pode abrir a janela de esperança no futuro para os
nosso jovens”.
Cavaco
Silva, que certamente tem a máquina de calcular avariada, lembrou um milhão e duzentos mil portugueses
desempregados e os cerca de 150 mil jovens que não têm emprego. Não falou, mas
esteve quase, das suas parcas reformas que não vão chegar para pagar as
despesas.
“É preciso
mobilizar toda a comunidade portuguesa para conseguir inverter a tendência para
a queda da produção económica e a queda do emprego”, referiu Cavaco Silva,
defendendo que “o futuro do nosso país vai depender muito da capacidade, como
comunidade, para criar um ambiente favorável ao investimento empresarial, à
produção de bens que concorrem com a produção estrangeira, que podem ser
exportados ou substituir produtos que neste momento são importados”.
Ou seja, o
presidente da República limitou-se a dizer o óbvio e continuar a caminhar como
se nada tivesse a ver com o assunto. O que vai dizendo assemelha-se à verdade
que um dia destes vai dizer sobre os portugueses: antes de morrerem estavam
vivos.
Cavaco Silva
ressalvou, no entanto, que “ao mesmo tempo” é preciso manter “a coesão social”
e, para isso, considera necessário “mobilizar todas as forças, todas as
iniciativas, todas as regiões do país”, com destaque para o papel das
autarquias.
Coesão
social? Sim, com certeza. Tirando aquela parte da sociedade – também coesa –
onde mamam os mexias do reino, a outra parte está igualmente coesa, cimentada
na fome, na miséria, no ultraje, na escravidão.
“As autarquias
são hoje verdadeiros agentes do desenvolvimento económico e social do nosso
país, elas mobilizam as sinergias locais, impulsionam o empreendedorismo local,
difundem uma cultura de inovação, apoiam as pequenas empresas, dão visibilidade
aos produtos locais, apostam na sua valorização”, considerou.
Bom. Então é
isso. O Ovo de Colombo está nas autarquias mesmo que três em cada quatro
estejam sem dinheiro para pagar dívidas, mesmo que um quinto dos municípios
estejam em falência técnica.
“E temos que
ser capazes de reconhecer publicamente os talentos e os méritos daqueles que
são os melhores”, acrescentou Cavaco Silva, para sublinhar que “não há país que
atinja um elevado nível de rendimento, de bem estar dos seus cidadãos, se não
for capaz de reconhecer o talento e o mérito daqueles que são os melhores
sociedade”.
Se calhar
será por isso que o número de licenciados desempregados que anulou a inscrição
nos centros de emprego para emigrar subiu 49,5% entre 2009 e 2011.
Cavaco Silva
insiste que o país não pode permitir que os seus jovens “vão para fora, só
porque pensam que na sua terra a sua vontade de subir na vida, a sua vontade de
ganhar mais, a sua vontade de servir melhor o país, não é reconhecida”.
Conheço
pessoas de alto nível cultural e de um enorme talento que são motoristas de
táxi, repositores de produtos em supermercado, fazedores de embrulhos em lojas
e, é claro, desempregados. Também conheço políticos e similares (ministros,
deputados, autarcas, assessores, administradores de empresas públicas,
institutos etc.) que deveriam ser motoristas de táxi, repositores de produtos
em supermercado, fazedores de embrulhos em lojas e, é claro, desempregados.
A diferença
entre eles não está na origem do “dr.” (mesmo que comprado na Lusófona) mas nas
ligações partidárias que, a par ou não da competência, são muito mais do que
meio caminho andado para se ter um bom tacho.
“Ninguém
pode ser deixado para trás, ninguém pode ser deixado de lado”, principalmente
os mais fracos, os mais frágeis, apontando “os idosos, os doentes, os
deficientes”, disse Cavaco Silva.
Embora saiba
que o Governo é cada vez mais forte… com os que são cada vez mais fracos,
Cavaco Silva continua a fazer dos portugueses uns matumbos a quem basta peixe
podre e fuba podre.
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