O deputado português do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, criticou hoje (e muito bem) a possível adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua... Portuguesa (CPLP), afirmando que se trata de um “Estado ditatorial” que desprestigia aquela organização.
O único lapso de José Manuel Pureza é o de considerar que a CPLP existe de facto. Ela existe “de jure”, mas em termos reais é mais um dos muitos elefantes brancos da lusofonia.
“Trata-se de um Estado cuja prática política de natureza claramente ditatorial não acrescenta prestígio, bem pelo contrário, acrescenta desprestígio à CPLP”, disse o deputado.
A Guiné Equatorial, recorde-se, tem o estatuto de observador da CPLP, mas já manifestou a intenção de se tornar membro de pleno direito e de tornar o português... língua oficial.
Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que nas ocidentais praias lusitanas tenha um dos seus mais latos expotentes.
Basta ver que, por exemplo, a UNESCO projectou atribuir um prémio patrocinado pelo Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema.
Vê-se, por aqui, que própria a agência das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura está a dar cobertura a um dos mais infames ditadores mundiais que, aliás, só está no poder há 31 anos.
De volta a essa coisa chamada CPLP, registe-se que o seu próximo líder, a partir de Julho, vai ser o presidente de Angola, não eleito, e que está no poder também há 31 anos e o seu partido, o MPLA, é dono do país desde a independência, em 1975.
Obiang (na foto com Obama), que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado (tal como como o seu homólogo angolano) de manipular as eleições e de ser altamente corrupto, tal como o que se passa em Angola.
Obiang, que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito no ano passado com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como em Angola, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
Gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando o ano passado um tribunal... francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo - os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
Os vastos proventos que a Guiné Equatorial, como escreveu nio oassado dia 10 de Maio o jornal português Público, recebe da exploração do petróleo e do gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha de pobreza. Em Angola são 70% os pobres...
Recorde-se que no passado dia 29 de Abril, em Lisboa, o presidente moçambicano e líder do partido que governa Moçambique, Frelimo, desde a independência, Armando Guebuza, considerou que a possível adesão da Guiné Equatorial à CPLP poderá servir para aquele país "melhorar o seu relacionamento", nomeadamente no que diz respeito aos direitos humanos.
Não admira por isso que, em resposta a um requerimento do Bloco de Esquerda, o Governo de José Sócrates “enalteça um suposto esforço da Guiné Equatorial para cumprir o critério da tentativa de aproximar o português como língua oficial e pouco mais”, deixando em aberto “com alguma simpatia a possibilidade de essa candidatura ser bem acolhida”.
Para além de se saber que a força da Guiné Equatorial está no petróleo, se calhar sabe bem a alguns países lusófonos ser enganados por mentiras que tentam ser pela insistência uma verdade.
Questionado sobre se concordava com a adesão à CPLP de um país que é referenciado pelas organizações internacionais no que respeita à violação dos direitos humanos, Armando Guebuza disse acreditar que a Guiné Equatorial vai "fazer tudo para se conformar com aquilo que são as normas na CPLP".
Normas de quê? De quem? Da CPLP? Mentir é uma coisa, gozar a inteligência dos outros é outra, por sinal bem diferente, concordem ou não José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza, Cavaco Silva ou José Sócrates.
Verdade é que ninguém se atreve a perguntar a Guebuza e a Cavaco Silva se acham que Angola respeita os direitos humanos ou se é possível que a presidência da CPLP vá ser ocupada por um país cujo presidente, José Eduardo dos Santos, no poder há 31 anos, não foi eleito.
Sobre a mesma questão, o Presidente português escusou-se a antecipar a decisão dos chefes de Estado e de Governo, que vão analisar a proposta de adesão da Guiné Equatorial na próxima cimeira da CPLP, em Julho, em Luanda, mas advertiu que todos os Estados interessados em aderir à comunidade "têm que ter em atenção os estatutos na CPLP".
Advertiu quem? Os que querem entrar? E então os que já lá estão? Será que o que se passa, por exemplo, em Cabinda com execráveis violações dos direitos humanos, é uma questão menor?
É claro que é uma questão menor. Ou não fosse o MPLA dono de Angola, ou não fosse Angola a potência petrolífera que é, para além de ser o primeiro mercado importador de bens portugueses fora da Europa, tendo já passado os EUA.
A verdade, incómoda para os donos do poder, seja em Portugal, Moçambique ou Angola, é que a CPLP está a ser utilizada de forma descarada para fins comerciais e económicos, de modo a que empresas portuguesas, angolanas e brasileiras tenham caminho livre para entrar nos novos membros, caso da Guiné Equatorial.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné Equatorial preenche todas as regras para entrar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para comprar o que bem entender.
Há quem defenda, certamente à revelia dos mais altos interesses petrolíferos, que o caso da Guiné Equatorial deveria ser alvo de uma reflexão mais profunda. Não se vê para quê.
Para aderir, o país terá de adoptar o português como língua oficial, a par do espanhol e do francês e, no âmbito de um acordo assinado em 2009, Portugal até se disponibilizou para enviar professores de... português e apoiar a formação de quadros do país africano em universidades portuguesas ou do espaço lusófono, através do Fundo da Língua Portuguesa...
Sem comentários:
Enviar um comentário