Os partidos portugueses dividiram-se hoje nas interpretações do relatório do deputado João Semedo sobre se José Sócrates enquanto primeiro-ministro (não enquanto cidadão) mentiu, ou não, no Parlamento, com José Sócrates (primeiro-ministro) a defender que o documento não apresenta factos e revela pouca seriedade.
A comissão de inquérito à actuação do Governo na tentativa de compra da TVI visa apurar "se o Governo, directa ou indiretamente, interveio na operação conducente à compra da TVI e, se o fez, de que modo e com que objectivos", procurando ainda "apurar se primeiro-ministro disse a verdade ao Parlamento, na sessão plenária de 24 de Junho de 2009", quando disse não ter sido informado da operação.
Como sabem os portugueses que ainda têm pachorra para estas coisas parlamentares, o primeiro-ministro não mentiu porque, obviamente, quem foi informado da operação foi o cidadão José Sócrates.
O primeiro-ministro reagiu afirmando que "no relatório da comissão não é referido nenhum facto que possa sustentar as acusações" que lhe foram dirigidas "ao longo de meses a fio". Sócrates, habitual – nas suas palavras – vítima de campanhas negras e coisas similares, lamentou que o relator que propõe as conclusões à comissão "não tenha também tido a coragem de escrever isso mesmo, preto no branco".
Por sua vez, o vice-presidente da bancada do PS, Ricardo Rodrigues (esse mesmo que para dar ênfase à liberdade de imprensa em Portugal furtou os gravadores aos jornalistas da revista Sábado) rejeitou que se possa concluir que o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento, e Francisco Assis, líder parlamentar que se solidarizou com o deputado na questão dos gravadores, acusa "os que se empenharam em lançar esta campanha caluniosa contra o primeiro-ministro e contra o PS" de não serem capazes "de sustentar com rigor essas acusações”.
Como se calcula, José Sócrates continua a ser uma vítima inocente, mau grado os socialistas consideraram que os portugueses devem tudo ao seu líder. Tudo, a título de exemplo, significa 700 mil desempregados, 20% de população na miséria e outros 20% com ela já à porta.
Quanto ao PSD, o coordenador dos deputados sociais democratas, Pedro Duarte centrou a sua posição nos resumos de escutas enviados ao Parlamento, sem se referir ao relatório quanto ao facto de saber se se pode concluir que o primeiro-ministro mentiu ou não no Parlamento.
Pedro Duarte sublinha que “o PSD já expressou que por trás deste negócio está uma operação política que visava controlar um conjunto de órgãos de comunicação social e com o conhecimento do primeiro-ministro”.
Até na conjugação dos verbos há receio de dizer as coisas. A operação política não visava. Visou. E, é claro, em muitos casos consegiu mesmo.
Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, considerou que as conclusões do inquérito reforçam a fragilização do Governo, afirmando que é preciso esperar que passe a actual crise financeira para o substituir. Afirma Marcelo que "obviamente, o Governo sabia e o primeiro-ministro sabia, mas a comissão, formalmente, confirmou-o e, nesse sentido, pode dizer-se que não é uma confirmação boa para o Governo", considerando que não deverá ter "nenhumas" consequências políticas.
Aliás, em Portugal nada tem consequências. Tudo se arrasta ao longo dos tempos e acaba por prescrever (a bem da Nação).
Já o deputado do PCP João Oliveira defende que o primeiro-ministro faltou à verdade (faltar à verdade quererá dizer mentir?) e admitiu fazer propostas de alteração que “possam ir mais longe” do que a proposta apresentada por João Semedo.
“Vamos perceber que classificação podemos fazer. Se for verdade que o primeiro-ministro sabia do negócio [quando afirmou não saber] então essa classificação [de mentira] é uma decorrência”, disse.
Do lado do CDS, a deputada Cecília Meireles remeteu para mais tarde as apreciações sobre o relatório e considerou que na actuação do governo na tentativa de compra da TVI “é manifesto que há muitas incongruências nos testemunhos ouvidos e uma história mal contada”.
O relatório da comissão de inquérito à tentativa de compra da TVI conclui que o Governo e o primeiro-ministro “tinham conhecimento” da operação da PT, e que o Executivo interveio em duas fases diferentes do processo.
A proposta de relatório dá como adquirido que José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, tinha conhecimento do negócio quando disse na Assembleia da República que não sabia e, para o provar, aponta, entre outros elementos, as próprias respostas do primeiro-ministro à comissão de inquérito.
No relatório, João Semedo nunca utiliza a palavra “mentir”, optando por referir que, factualmente, “as afirmações do primeiro-ministro contrastam com a informação de que o Governo dispunha”.
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