Cavaco Silva mostra-se preocupado com o presente. Creio que não se lembra do passado, mesmo daquele em que foi protagonista. Muito menos se lembrará dos tempos anteriores ao 25 de Abril de 1974. Mas como (ainda) há memória...
«No dia 20 de Dezembro de 1999, Portugal punha termo, de forma digna, em paz consigo e com a sua História, ao ciclo imperial que perdurara por mais de metade da sua vida de Nação multissecular» afirmou o presidente da República de Portugal, Cavaco Silva.
A que propósito? A propósito do passado, isto é, falava na Sessão Solene Evocativa do 10º Aniversário da Transferência da Administração Portuguesa de Macau.
Bem vistas as coisas, digo eu, sempre que convém alguém com responsabilidades políticas recorre à História para explicar algumas teorias. Pena é que haja em Portugal uma História de primeira (a relativa a Macau, por exemplo) e uma de segunda (a que respeita a Cabinda, por exemplo).
«A Administração Portuguesa deixava o Território justificadamente orgulhosa de um legado notável, assente numa organização administrativa capaz e respeitada e num corpo legislativo sólido e abrangente, em harmonia com as garantias que haviam sido dadas aos habitantes de Macau e com as expectativas que lhes haviam sido criadas», afirmou Cavaco Silva.
No entanto, Cavaco Silva esquece-se de outras “garantias que haviam sido dadas aos habitantes” de Cabinda, embora – como em Macau - “as expectativas que lhes haviam sido criadas” fossem igualmente importantes, diria mesmo vitais.
«A tudo presidira, segundo Cavaco Silva, uma visão estratégica que soube reconhecer o potencial de Macau como plataforma privilegiada no quadro da política de abertura ao mundo que a China havia iniciado e como factor de aproximação entre Portugal e a China”.
É verdade. Mas também é verdade que se não fosse a cobardia dos subscritores do Acordo de Alvor e, também, a não menor cobardia dos que se lhes seguiram, Cabinda poderia ser igualmente uma “plataforma privilegiada no quadro da política de abertura ao mundo” de uma outra Lusofonia, esta assente nos valores humanos e não apenas no potencial petrolífero.
“E assim, caso raríssimo e exemplar, dois países, Portugal e a China, chamados a resolver uma questão bilateral complexa e delicada, de grande sensibilidade para ambos, concluíram-na muito mais próximos um do outro do que quando lhe haviam dado início”, reflectiu Cavaco Silva.
Subentendo que, com razão, Cavaco Silva considera que foi mais fácil negociar com a China do que seria, e ainda terá de ser, com Angola. E isso acontece porque Portugal esteve de pé nas negociações com a China. Já com Angola esteve e está de joelhos.
“Quiseram as circunstâncias que tivesse cabido a um Governo a que presidi dar início às negociações que culminaram na Declaração Conjunta sobre Macau. Tal como me coube subscrevê-la, em nome do meu país, em 13 de Abril de 1987, em Pequim, por ocasião daquela que foi a primeira Visita Oficial de um Chefe de Governo de Portugal à República Popular da China”, recordou, orgulhoso, Cavaco Silva.
Pena é que, quanto a Cabinda, seja como líder do PSD, primeiro-ministro, presidente da República, Cavaco Silva tenha permitido que o lixo escondido em 1974 e 1975 pelas autoridades portuguesas continue, impávido e sereno, debaixo do tapete.
“Foram tempos que não esqueço. Recordo-me bem de ter sublinhado, no discurso que pronunciei nessa ocasião, que há momentos em que temos a consciência de estar a ser escrita uma página da História. Foi precisamente isso que sucedeu”, afirmou Cavaco Silva a propósito de Macau.
E se assim foi em relação a Macau, porque será que agora falta “a consciência de estar a ser escrita uma página da História” sobre dois povos (angolanos e cabindas) que estiveram, em moldes diferentes, sob a égide de Portugal?
Cavaco Silva disse também que “continuo a pensar, no entanto, que a melhor forma de estarmos à altura do que soubemos construir no passado é projectando-o no futuro”.
É isso aí. Mas, no caso de Cabinda, Portugal não está à altura do que construiu no passado quando conseguiu dar luz ao mundo, limitando-se agora a gerir a mediocridade dos seus agentes políticos que cada vez mais longe estão de ser estadistas.
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