José Eduardo dos Santos, presidente não eleito de Angola há 31 anos, felicitou Aníbal Cavaco Silva pela sua reeleição para a Presidência da República portuguesa, considerando que esta vai contribuir para aprofundar as relações entre Luanda e Lisboa. Vai com certeza.
Na mensagem enviada a Cavaco Silva, Eduardo dos Santos deseja que o Presidente reeleito «alcance maiores êxitos neste seu segundo mandato à frente da chefia do Estado português».
José Eduardo dos Santos disse ainda ao seu homólogo português que a sua vitória eleitoral «há de contribuir para o aprofundamento dos laços de amizade e cooperação entre os dois povos».
Entre os dois povos não diria. Mas certamente que contribuirá para reforçar os laços entre os poucos que, tanto em Portugal como em Angola, têm milhões.
Recorde-se, por exemplo, que em Março de 2009, no Palácio de Belém, só dois jornalistas de cada país tiveram direito a colocar perguntas a Cavaco Silva e a Eduardo dos Santos.
Um deles, certamente no cumprimento da sua profissão mas, é claro, à revelia das regras dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco Silva sobre esse eufemismo a que se chama democracia em Angola, e perguntou a Eduardo dos Santos quando haveria eleições presidenciais no seu país.
Cavaco Silva limitou-se a... não responder e Eduardo dos Santos disse que não sentia falta de legitimidade, acrescentando que um dia haveria eleições presidenciais em Angola.
Quando, no dia 3 de Setembro de 2008, o mesmo Cavaco Silva falava na Polónia a propósito das eleições em Angola, disse o óbvio (uma das suas espeicalidades): “Desejo que as eleiçõess ocorram com toda a paz, sem qualquer perturbação, justas e livres como costumam dizer as Nações Unidas nos processos eleitorais".
Nessa altura, como sempre, Cavaco Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de comunicação social portuguesa - SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido impedidos de entrar em Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos justas e livres.
Afrinal, hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido, continua a pensar da mesma forma que José Sócrates, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 68% dos angolanos na miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia o Rafael Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, excepções) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.
Alguém, pergunto eu, ouviu Cavaco Silva recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Não, ninguém pergunta até porque ele não responde.
Alguém o ouviu recordar que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém o ouviu recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém o ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém o ouviu recordar que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir.
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