domingo, janeiro 16, 2011

A ERC do nosso (des)contentamento

O presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que termina o mandato em Fevereiro, diz que em Portugal "haveria muito mais infracções" nos media sem a supervisão da ERC, sustentando que a regulação "protege a liberdade de imprensa".

Recorde-se, para quem não sabe, que a ERC é uma entidade portuguesa que ajuda a fingir que Portugal é um Estado de Direito.

Em entrevista à agência Lusa, Azeredo Lopes, presidente da ERC, diz não saber se há menos infracções dos meios por comparação com o período em que a ERC não existia, mas reforça que "nem que fosse devido à pressão das vendas" dos tempos actuais, "haveria muito mais" violações sem a presença do regulador.

Os membros do Conselho Regulador da ERC tomaram posse em Fevereiro de 2006 para um mandato não renovável que termina em Fevereiro deste ano. Azeredo Lopes, o presidente, assinala que "mudaram coisas com a existência da ERC mas antes disso mudaram muito os media", nomeadamente por via da "convergência de meios" e da evolução tecnológica.

Dos muitos episódios escritos pela ERC, recordo um em que esta entidade arquivou o processo sobre alegadas pressões políticas e económico-financeiras aos meios de comunicação social, denunciadas pelo director do jornal Sol, defendendo não terem ficado provadas as denúncias feitas.

"Considera o conselho regulador da ERC que, ponderados os depoimentos prestados perante a ERC e tudo o que foi possível apurar-se na documentação junta ao processo, não ficaram provadas as pressões políticas e económico-financeiras denunciadas pelo director do jornal Sol", referiu a entidade.

Sendo regra no reino que nada se prove, mas que tudo se transforme, a ERC não poderia fugir aos ditâmes. Não sei, aliás, se até no Burkina Faso os jornais ou jornalistas recebem documentos com assinatura reconhecida a dizer “isto é uma pressão política e económico-financeira”.

É que se não recebem nunca poderão provar. De resto, os jornalistas em Portugal são despedidos à medida e por medida, os directores são seleccionados pela mesma regra, a publicidade é direccionada consoante o “bom” ou “mau” comportamento da Imprensa... mas nada disso é passível de ser provado.

A 26 de Novembro de 2009, a ERC anunciou a abertura de um processo de averiguações relativo a alegadas interferências do Governo em alguns órgãos de comunicação social, nomeadamente no Sol, denunciadas pelo director daquele título, José António Saraiva, à revista Sábado.

"Uma pessoa do círculo próximo do primeiro-ministro e que conhecia muito bem a situação do jornal e a relação com o banco BCP disse-nos que os nossos problemas ficariam resolvidos se não publicássemos a segunda notícia do Freeport", disse José António Saraiva citado pela revista.

No mesmo artigo, a Sábado adiantava ter havido discriminação por parte do Governo e organismos públicos na distribuição de publicidade institucional a jornais nacionais.

Ouvido em Dezembro dese ano pela ERC, o director reiterou a denúncia adiantando que foram feitas "tentativas de 'chantagem' sobre a sua direcção editorial e de 'estrangulamento' económico-financeiro", com o objectivo de condicionar a linha editorial do Sol ou mesmo de extinguir o jornal.

Todos os que não são imbecis porque procuram saber o que se passa à sua volta sabem que, de facto, o que José António Saraiva afirmou acontece, sobretudo naqueles meios que não aceitam ser criados, mesmo que de luxo, do poder.

Mas não basta saber. Até mesmo quando a Polícia grava conversas sabe que, dependendo dos escutados, a verdade de hoje pode ser mentira amanhã. O pilha-galinhas sabe sempre que é o culpado de tudo. No entanto, se for dono do aviário pode ficar descansado que nada lhe acontece.

Além de José António Saraiva, a ERC ouviu outros accionistas e responsáveis do jornal como o presidente da BCP Capital, Paulo Azevedo, o presidente da JVC Holding, Joaquim Coimbra, e o presidente da Imosider, José Paulo Fernandes, entre outros.

Além disso, foram também ouvidos o director adjunto José António Lima e o subdirector do Sol, Mário Ramires, que corroboraram as denúncias então feitas pelo director.

"Falei [à ERC] das pressões que foram exercidas sobre a direcção do Sol por pessoas próximas do primeiro-ministro para não publicarmos notícias sobre o caso Freeport", contou José António Lima depois da sua audição, realizada em Janeiro de 2010.

No entanto, a ERC considerou do alta da sua divina sabedoria ser impossível provar as acusações, já que a origem de uma das alegadas pressões políticas "não foi identificada por escusa do jornalista" e a outra "não foi confirmada por flagrante contradição dos declarantes".

Por outro lado, referiu o organismo, "não ficou provado que a mudança na administração do grupo BCP, ocorrida em Fevereiro de 2008, tivesse alterado a conduta e a estratégia da BCP Capital (...), não podendo, por conseguinte, dar-se como confirmada a existência de pressões de natureza política do BCP sobre o semanário Sol".

Aliás, segundo José António Saraiva, foi da boca de José Sócrates que ouviu a afirmação de que “a melhor forma de controlar a imprensa é controlar os patrões”.

Se calhar, com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Portugal, até veremos um dias destes alguns dos carrascos a passear na ribalta da mediocridade e cobardia lusa com a bandeira da liberdade de expressão.

E se até agora o principal barómetro da liberdade de Imprensa era o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Portugal deu um notório e inédito contributo: os despedimentos.

E até veremos alguns dos algozes da liberdade de imprensa (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Há já uns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso português. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”.

Eles tentaram, o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao dos donos do reino. E a resposta não se fez esperar: Jornalista bom é jornalista desempregado.

Nos últimos anos, pelo menos 181 jornalistas das redacções do Porto de vários órgãos de comunicação social perderam o emprego, 54 dos quais no despedimento colectivo, inédito na Imprensa portuguesa, levado a cabo pelo grupo Controlinveste (JN, DN, 24 Horas e “O Jogo”).

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