Se é normal, embora hipócrita, que as democracias se entendam bem com as ditaduras que lhes interessam, mais normal é o entendimento entre ditaduras. Não admira, por isso, que por exemplo Kim Jing-Il seja íntimo de José Eduardo dos Santos.
Quando em Março de 2005 visitou Luanda, o vice-presidente da Coreia do Norte, Zeng Yang Hong, foi claro ao ressaltar a importância da cooperação bilateral, e ainda mais explícito quando disse tratar-se de algo histórico.
É bom que os angolanos (a comunidade internacional passou uma esponja no assunto) saibam que a ditadura de Pyongyang tem relações históricas com a sua congénere de Luanda.
Para além dos laços históricos, nascidos na década de 70 com o apoio militar norte-coreano às FAPLA, é certo que Angola só tem a ganhar com o reforço da cooperação com Pyongyang.
Então em matéria de democracia e direitos humanos, a Coreia do Norte parece continuar a ser (tal como Cuba e o Zimbabué) uma lapidar referência para o regime de Eduardo dos Santos.
Aliás, não é difícil constatar que a noção de democracia de Eduardo dos Santos se assemelha muito mais à vigente na Coreia do Norte do que à de qualquer outro país. E é natural. É que para além de uma longa convivência “democrática” entre ditadores, Luanda ainda tem de pagar a dívida, e os juros, da ajuda que Pyonyang deu ao MPLA. Amigos, amigos, contas à parte.
No que tange a direitos humanos, os princípios são os mesmos embora – reconheça-se – Luanda tenha sido obrigada a alargar o cordão que estrangula os angolanos.
De qualquer modo continuam os milhões que têm pouco, ou nada, a trabalhar para os poucos que têm milhões. É assim em todas as ditaduras.
É claro que o Governo do MPLA, no poder há 35 anos, escuda-se nas relações Estado a Estado para estar de bem com Deus e com o Diabo. E faz bem. Segue, aliás, a regra praticada por Portugal em relação a Angola.
Lisboa nunca se importou com a ditadura, como nunca se importou com a sorte dos angolanos. Aliás, Eduardo dos Santos é elogiado por Cavaco Silva e por José Sócrates. Fica claro que a Portugal interessa tudo... menos os angolanos.
A regra é simples. Porque carga de chuva tenho de estar preocupado com os muitos angolanos que nem uma refeição têm por dia, se eu tenho pelo menos três? Não é dr. Aníbal Cavaco Silva? Não é eng. José Sócrates?
Eduardo dos Santos pensa o mesmo. Kim Jong-Il também. Mas não são só eles, acrescente-se. São também os dirigentes das democracias ocidentais, da ONU, da CPLP etc. Para eles pouco importa que em Darfur tenham morrido em dois anos mais de 300 mil pessoas, ou que em Angola a grande maioria da população (perto de 70%) seja tratada abaixo de cão.
Também há muitas e válidas razões para o MPLA amar Cuba e, é claro, para Cuba amar o MPLA. Permitam-me que, por exemplo, recorde o brilhante trabalho cubano no apoio à vitória eleitoral do MPLA.
Na altura, Setembro de 2008, ao elogiar a transparência e honestidade das eleições em Angola, bem como o papel de comunicação social (do estado, está bom de ver), Cuba prestou o melhor dos serviços à verdade.
Só não viu quem era ceguinho (e foram muitos). Só não vê quem quer continuar a ser cego. E, neste caso, a cegueira é proporcional ao peso do petróleo angolano, grande parte dele roubado a Cabinda.
Pedro Ross Leal, embaixador cubano em Angola, em declarações à agência angolana de notícias, Angop (a quem mais poderia ser?), apontou como merecedor de elogio o comportamento da comunicação social (não especificou qual delas, mas é fácil de entender) pela sua “eficiência” e oportunidade dada aos partidos políticos para expressarem os seus “propósitos de governação”.
Relevando como “facto inédito” em África, num país que viveu “longos anos de guerra”, a realização de eleições num clima “de paz, tranquilidade e honestidade”, Ross Leal disse que considerava que o escrutínio foi “transparente e honesto” pelo “comportamento cívico dos cidadãos e dos partidos políticos”.
E se Cuba o diz, quem se atreverá a dizer o contrário?
O diplomata cubano defendeu ainda que a vitória esmagadora do MPLA, com mais de 81 por cento dos votos, nas segundas eleições realizadas em 33 anos de independência (de quê?) e 16 anos depois das primeiras em 1992, representa uma “mais valia na cooperação entre os dois países, rumo ao desenvolvimento de ambos”.
Pedro Ross Leal lembrou que o MPLA sempre foi um parceiro do governo cubano (bem lembrado!), desde a luta de libertação nacional, quando “o comandante” Che Guevara encontrou Agostinho Neto, o primeiro Presidente da República de Angola, no Congo-Brazaville.
“Foi a partir desta data que se deu início à cooperação bilateral, permitindo assim a mútua ajuda para o desenvolvimento dos nossos povos, bem como para a libertação de Angola das forças coloniais”, apontou o diplomata.
Hoje, como ontem e como amanhã, ainda há muitas contas que o MPLA não pagou. Por isso, eles vieram para Angola para ficar.
Aliás, as consequências do envolvimento cubano em Angola foram sobretudo o endividamento de Angola perante Cuba e o roubo de muitas riquezas que foram carregadas para Havana, desde carros a mármore roubado até dos cemitérios deixados pelos portugueses.
Recordo um episódio aqui relatado em Novembro de 2008 («Sempre gratos ao ditador amigo»), quando alguém nascido e criado no Alto Hama foi visitar Cuba e, em Havana, viu o Autocarro do Grupo Desportivo do Alto Hama aonde ele se fartou de andar quando era atleta júnior da equipa de futebol local, antes da Dipanda... Isto para além dos autocarros da EVA (Empresa de Viação de Angola).
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