domingo, abril 29, 2012

Às vezes os jornalistas são notícia


Um jornalista francês desapareceu ontem no sul da Colômbia, na sequência de um ataque da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) contra o exército.

Os jornais portugueses, e bem, deram destaque à notícia do desaparecimento de Romeo Langlois, que acompanhava uma patrulha na região de Caquetá, no sul da Colômbia onde ocorreu o ataque.

Residente na Colômbia, Romeo Langlois foi referido como correspondente de guerra e colaborador de jornais como o francês "Le Figaro".

Em Portugal, no entanto, ninguém noticia o desaparecimento, nos últimos anos, de centenas de jornalistas portugueses devido aos ataques de empresários criminosos, de governos corruptos, de estratégias de silenciamento total de todos aqueles que ousam pensar pela própria cabeça.

De facto, o jornalismo em Portugal está em acelerado estado de putrefacção e a caminho da extinção. É que, julgo eu, não basta trabalhar numa Redacção para se ser jornalista. Conheço, aliás, muitos que quanto mais trabalham nas Redacções mais se afastam do Jornalismo.

Os jornais (é claro que também as rádios e as televisões) não são um produto feito à medida dos jornalistas e/ou dos consumidores mas, isso sim, dos empresários. São, cada vez mais, um negócio ou, melhor, uma forma de comércio. São apenas mais um produto em que os seus fazedores (na circunstância catalogados de jornalistas) são escolhidos à e por medida.

Ou seja, basta ter dinheiro para ser dono de um jornal, basta ter um jornal para lá mandar pôr o que muito bem entender, sejam as fotografias da sogra, do rafeiro ou da amante.

Os jornalistas, mais do que informar, mais do que formar, têm de vender. Vender, vender sempre mais. E quem sabe o que fazer para melhor vender não são, na maioria dos casos, os jornalistas.

Os jornalistas são os montadores que, de acordo com o mercado, alinham as peças de um crime, de um comício, de um atentado ou de um buraco na rua. Se o que vende é dar uma ajuda ao partido do Governo, são essas as peças que têm de montar, nada contando a teoria da isenção que é tão do nosso teórico agrado.

Se o que vende é divulgar os produtos da empresa «X», são essas as peças que têm de montar, passando por cima do facto de essa empresa eventualmente não pagar os salários aos seus trabalhadores, promover criminosos despedimentos ou apostar no trabalho infantil.

Se o que vende é dar cobertura às ditaduras (sejam as de Bashar al-Assad ou José Eduardo dos Santos), são essas peças que têm de montar, calibrando-as da forma a parecerem dos melhores exemplos democráticos.

Pouco importa tudo o resto.

Assim sendo, as linhas de montagem não precisam de jornalistas. Tudo o resto são cantigas, tenha a classe uma Ordem ou apenas, como agora, um Sindicato. Tenha o país um governo eleito ou não, seja ou não uma democracia, chame-se Portugal ou Burkina Faso.

Todos este jornalistas, como sempre foi, é e será desejo dos diferentes poderes existentes em Portugal, sobretudo os políticos e os económicos, estão agora (os que ainda a têm) a pensar com a barriga.

Apesar de serem de Maio de 2009, não me esqueço que o Carlos Narciso (um dos mais probos jornalistas de língua portuguesa) dizia que não ia à feira do livro “porque o subsídio de desemprego é manifestamente curto para dar de comer à família e ainda conseguir comprar livros”.

Carlos Narciso, considerado pelo Notícias Lusófonas (opinião que subscrevo) como “um excelente Jornalista, dos mais conhecidos e respeitados em todo o espaço lusófono”, dizia também que “há uma ideia romantizada do que é jornalismo e, nessa ideia, não entram conferências de imprensa enfadonhas, passar meses e anos a escrever pequenas notícias, a frustração de ver oportunidades passar ao lado, a mediocridade premiada, enfim, o dia-a-dia de muitas redacções”.

Também em Maio de 2009, Alfredo Maia – presidente do Sindicato dos Jornalistas - salientava que ainda que a liberdade de imprensa esteja, "do ponto de vista formal, assegurada", há "problemas graves" no jornalismo português.

Alfredo Maia salientava então (e desde então a situação piorou que a "ameaça de desemprego" que paira sobre alguns conjuntos de profissionais e a "precariedade", que atinge "novos e antigos profissionais", são os principais desafios à "autonomia" da imprensa hoje em dia.

Compreendo que como jornalista assalariado e, portanto, igualmente sujeito à ameaça de desemprego, o Alfredo Maia não possa dizer mais. Fica, contudo, um travo amargo porque de um presidente de um sindicato esperava mais. Muito mais.

Já para o então sub-director do jornal Público, a falta de liberdade de expressão passa, no Ocidente, muito mais, por um "tipo de controlo de opinião, que é feito de uma forma muito mais subliminar".

Segundo Amílcar Correia, esse controlo acontecia (acontece) sob a forma de "condicionamento económico dos órgãos de informação", pela "pressão de fontes" e anunciantes, que "num cenário de alguma crise nos media", podem conseguir ter "alguma influência no editorial das respectivas publicações".

Os leitores aqui do Alto Hama certamente que se lembram de já ter lido algo semelhante. E de o ter lido desde há muito tempo e por várias vezes.

Sobre os eventuais excessos derivados da "falta de sensatez e de bom senso" dos jornalistas, Amílcar Correia entende que "a ausência da liberdade de expressão é sempre pior", portanto, "é preferível o excesso de liberdade de imprensa à total ausência de liberdade de expressão".

Aliás, todos sabem que, no reino lusitano, não faltam exemplos de casos onde os jornalistas são “voluntariamente obrigados” a pensar com a barriga.

"Só com jornalistas usando plenamente os seus direitos e garantias existe jornalismo verdadeiramente livre e responsável", destacava Alfredo Maia, certamente pensando nas centenas de jornalistas que nos últimos anos foram obrigados a ir para o desemprego. Tudo, é claro, a bem de uma nação que acaba de instituir a escravatura como forma de, dizem eles, evitar a falência.

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