quinta-feira, abril 19, 2012

A habitual hipocrisia portuguesa

Os deputados portugueses aprovaram por unanimidade dois votos de condenação do atentado à ordem constitucional na Guiné-Bissau.

Pronto. Está cumprida a tarefa do reino lusitano e todos podem dormir descansado e, é claro, ter pelo menos três refeições por dia.

Portugal, tal como outros, continua, é certo, a mandar toneladas de peixe para a Guiné-Bisau. No entanto, o que os guineenses precisam é de quem os ensine a pescar.

Portugal continua, é certo, a mandar montes de antibióticos para a Guiné-Bissau. Esquece-se, sobretudo porque tem a barriga cheia, que esses medicamentos só devem ser tomados depois de uma coisa essencial que os guineenses não têm: refeições.

Os deputados portugueses bem podem exigir, como fez Ribeiro e Castro do CDS/PP, a "reposição completa da normalidade constitucional", porque "nenhum povo escolhe ser um Estado falhado”.

Pena é que não estejam interessados, nem os deputados nem o governo, em acabar com a tentativa de ensinar os guineenses a viver sem comer. É que um dias destes vão constatar que quando eles estavam quase, quase mesmo, a saber viver sem comer... morreram.

Portugal, já que a CPLP é uma miragem flutuante nos luxuosos areópagos da política de língua portuguesa, deveria dar força à única tese viável e que há muito foi defendida por Francisco Fadul e que aponta, enquanto é tempo, para “o envio de uma força multinacional, de intervenção que garantisse aquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos".

Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser.

E essa forma é usar, não um enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for...

É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade.

Mas o que é que isso importa? Nada, como é óbvio. Aliás, depois da aprovação por unanimidade dos dois votos de condenação do atentado à ordem constitucional na Guiné-Bissau, os deputados portugueses devem ter ido para um fausto repasto num qualquer bom restaurante de Lisboa. A bem da Nação, é claro!

Nota: Este texto foi aqui publicado em 8 de Abril de 2010.

1 comentário:

mrvadaz disse...

Guiné-Bissau: O jogo de Cabra-Cega


Aly Silva acabou de escrever que o Comando Militar, dirigido pelo CEMFAGB, António Indjai, proibiu "todas as manifestações e avisa que haverá consequências para quem desrespeitar a ordem", sem esquecer que o mesmo comando acusou a Angola de violar os acordos assinados com a Guiné-Bissau(GB) a ponto dos seus militares sentirem-se ameaçados dentro da própria casa.

O mais engraçado nesta história é que os militares invocaram a constituição para violarem a própria constituição, ou seja, é como aquela transcrição que um tal de Djosa fez do 5º Mandamento da Lei de Deus para a linguagem comum: "não matar = ca bu matan, nca ta matau".

Um outro ponto engraçado é que esse tal de Comando Militar disse que quanto à possibilidade da GB sofrer ataque externo, "são rumores de pessoas que se conformaram com a vida de corrupção, impunidade e assassinatos políticos", e "desprovidas de sentido patriótico, não habituadas a honestidade e ao clima da verdadeira democracia se pretende para breve instalar no país". Este ponto é mais engraçado do que eu pensava!

Para refrescar a memória dos leitores, lembro-me deste último post que coloquei n'Os Limárias, com a seguinte sitação do António Indjai: "não há mais dúvida sobre isso, qualquer militar que se recusar a se submeter ao poder político deste país será expulso das Forças Armadas" e, agora, acrescento mais uma citação da mesma notícia: "o militar tem que saber que não está acima do político, deve total obediência ao poder civil, quem não respeitar isso não fará parte das nossas fileiras". A não esquecer que antes da tomada de posse como CEMFAGB das mãos do, na altura presidente da GB, malogrado Malam Bacai Sanhá, o António Indjai, esteve refugiado na sede das Nações Unidas, em Bissau, onde entrou ilegalmente naquele país porque esteve em exilo, salvo erro, no Senegal. Tudo isso aconteceu nas barbas e narizes de todas as organizações internacionais.

Agora, digam-me lá se o que está a acontecer na GB não parece com o jogo de Cabra-cega em que esse desgraçado país está de cara tapada no meio enquanto a Comunidade Internacional, ONU, CPLP, CDEAO e outros assistem a cena com os sorrisos até as orelhas?

http://mrvadaz.blogspot.pt/2012/04/guine-bissau-o-jogo-de-cabra-cega.html