Creio, desde há muito, que a Guiné-Bissau precisa de uma forma internacional de estabilização que por lá deve ficar um longo período.
Isso não pode, contudo, acontecer à revelia do poder militar e aparecer como um facto consumado. Desde logo porque os militares são um dos vectores desta e de outras discussões e, mesmo que de forma pouco consistente, não gostam de ver os de fora a mandar na casa deles.
E ao que parece, o primeiro-ministro e potencial vencedor das eleições presidenciais preparava-se mesmo para pedir a intervenção da ONU, tal como antes pedira a ajuda dos militares angolanos.
Daba Na Walna (foto), o tenente-coronel que é o rosto do Comando Militar que desencadeou o golpe, e que não é um daqueles militares retrógrados ao estilo de António Indjai, pertence a uma nova geração e até é licenciado em Direito, explicou em entrevista à Lusa que a acção militar foi "uma espécie de antecipação" do que aconteceria, um "golpe de legítima defesa", para impedir que forças estrangeiras "viessem esmagar as Forças Armadas da Guiné-Bissau".
Gostemos ou não, creio que é verosímil a tese de Daba Na Walna. Ao afirmar que a presença de uma missão militar angolana em Bissau, a Missang, foi o epicentro da revolta, mostra que – apesar de tudo – algo está a mudar na filosofia castrense do país.
A associação entre as ameaças de Kumba Ialá e o golpe que se seguiu foi considerada por Daba Na Walna como uma coincidência: "Se Kumba Ialá estivesse a par do que estava a acontecer seria muito imprudente dizer isso publicamente. Foi mera coincidência. Kumba Ialá não tinha conhecimento de nada e é bom que isso fique bem claro. Tentou fazer-se essa colação entre políticos e Forças Armadas, não tivemos nada a ver com isso".
De facto, a presença da Missang na Guiné-Bissau revelou-se desde o princípio como uma faca de dois gumes. Sobretudo porque não eram militares de vários países, mas apenas de um que – ainda por cima – tem interesses no país. Além disso, Angola é exemplo de Forças Armadas fortes e coesas mas não o é em matéria de democracia, de respeito pelos direitos humanos, de luta contra a corrupção.
Mesmo do ponto de vista diplomático, Luanda acendeu o rastilho quando o seu embaixador em Bissau disse a António Indjai, chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, que tinha informações de que estava a ser preparado um golpe militar.
Como se isso não bastasse, Daba Na Walna explica que o caldo entornou-se quando os militares souberam da existência de uma carta que o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, teria escrito ao secretário-geral da ONU a pedir uma força das Nações Unidas.
Terá existido mesmo essa carta? A carta foi divulgada ontem, está assinada mas não foi feita – como seria do protocolo - em papel timbrado nem tem qualquer carimbo que ateste o seu carácter oficial.
"Se quiséssemos mentir e forçar provas teríamos obrigado o primeiro-ministro a pôr o timbrado da primatura (gabinete do primeiro-ministro). Tivemos a carta através de Carlos Pinto Pereira (antigo assessor jurídico de Henrique Rosa quando este foi Presidente interino e assessor jurídico de Carlos Gomes Júnior). Vimos que não era timbrada mas entregámos porque estamos certos, se estivermos a mentir Deus sabe", explica Daba Na Walna.
E se a diplomacia de Angola meteu água, a da Guiné-Bissau atestou o bidão. Isto porque a carta terá sido entregue ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Georges Chicoti.
É por isso que Daba Na Walna afirma que, "ainda que admitamos que a carta pudesse ter algum sentido, o portador não devia ser o ministro das Relações Exteriores de Angola, não somos um protectorado de Angola".
Dando credibilidade a todo este cenário, e eu inclino-me para a sua veracidade, é legítimo que os militares guineenses – como diz Daba Na Walna – pensassem tratar-se de “uma cabala a ser montada contra nós e o objetivo da vinda estrangeira era simplesmente esmagar as Forças Armadas da Guiné-Bissau”.
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