O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal referiu-se hoje ao golpe militar na Guiné-Bissau defendendo que quem põe em causa a legalidade tem de pagar o preço e que a CPLP, que se reúne amanhã em Lisboa, não pode ser condescendente.
Paulo Portas pôs-se em bicos de pés exigindo que essa coisa que dá pelo nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa seja forte com os fracos. Quanto a ser fraca, fraquíssima, com os fortes, isso não interessa.
“As organizações regionais em África são favoráveis a uma doutrina que promove o desenvolvimento porque a comunidade internacional aposta na constitucionalidade e na legalidade e quem põe em causa essa ordem constitucional e essa legalidade paga um preço que é o isolamento internacional”, disse Paulo Portas.
Certamente que Paulo Portas sabe que Angola, que preside a essa mesma coisa (refiro-me à CPLP), tem um presidente não eleito e que está há 32 anos no poder. Mas esse país é forte e, por isso, a razão da força legitima tudo e mais algumas coisa.
O ministro dos Negócios Estrangeiros condenou os golpistas que detiveram políticos guineenses e afirmou que os chefes da diplomacia da CPLP têm de abordar a questão de eventuais represálias a aplicar a quem perturba a normalidade dos estados.
Tem toda a razão. Continuará, aliás, a ter todo a razão se – como no passado - tiver de um dia destes reconhecer como autoridade legítima um dos golpistas. Como dizia Margaret Thatcher a propósito de Robert Mugabe, "não se discute com terroristas antes de serem primeiros-ministros".
“A CPLP não pode deixar de meditar nesta questão se queremos exercer uma boa influência. Para que haja um triunfo da legalidade e para que o processo eleitoral possa decorrer com normalidade não podemos condescender com um golpe militar que acontece precisamente a meio de um processo de eleição de um Presidente da República”, referiu Paulo Postas.
Pois é. Nada de condescendências enquanto não chegarem ao poder. Lá chegados passam, é claro, a ter toda a legitimidade para serem entendidos como dignos representantes do povo.
A política, essa coisa com vários pesos e outras tantas medidas, que serve quase sempre para milhões terem pouco e poucos terem milhões, é mesmo assim. Enquanto se é bestial (José Sócrates dizia, entre outros, que Muammar Kadafi era um “líder carismático”) a bajulação não tem limites. Quando se passa a besta, todos se unem para dizer o pior e facturar sobre os escombros, sejam materiais ou humanos.
Julgo se mais ou menos consensual que António Indjai, o líder do golpe, é uma besta. É, aliás, uma besta que ocupou o lugar de outras bestas. Apesar disso, se chegar ao poder passará a ser, tanto para Portugal como para a CPLP e restante comunidade internacional, bestial.
Os EUA, que de África só sabem que tem petróleo e negros que se devem matar uns aos outros para ser mais fácil lá ir buscar as riquezas, avisaram as autoridades da Guiné-Bissau que o novo chefe das Forças Armadas não poderia estar implicado nos acontecimentos de 1 de Abril de 2010, como era o caso do major-general António Indjai.
Perante este aviso, o que fez o governo de Carlos Gomes Júnior? Escolheu (e o presidente Balam Bacai Sanhá aceitou) para chefiar as Forças Armadas, nem mais nem menos do que... António Indjai.
Posição idêntica à dos EUA tem sido defendida pela União Europeia, cujos representantes em Bissau, por exemplo, boicotaram na altura uma conferência de sensibilização para a reforma do sector da defesa e da segurança organizada pela ONU e pelo governo guineense.
De acordo com a escolha de António Indjai está, é claro, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Está de acordo com esta escolha, como estaria com qualquer outra. Para a CPLP o importante é estar de acordo, seja com Deus ou com o Diabo e até, se possível, com ambos ao mesmo tempo.
A escolha de António Indjai foi, aliás, uma vitória para a CPLP. Desde logo porque o chefe Estado Maior das Forças Armadas de Guiné-Bissau (país da CPLP, recorde-se), nem uma palavrinha sabe dizer, com ou sem Acordo Ortográfico, em... português.
No entanto, reconheço, António Indjai - entre muitos outros - fala uma outra língua internacionalmente, mas sobretudo em África, bem conhecida e de grande poder como agora se voltou a confirmar: o kalashnikovês.
Recorde-se que Indjai foi o protagonista dos acontecimentos militares de 1 de Abril de 200 e que chegou (embora depois tenha pedido desculpa) a ameaçar de morte o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior.
Na mesma altura, instado sobre se passaria a ser ele o chefe do Estado-Maior, António Indjai disse que não, mas que as Forças Armadas iam aguardar pela indicação “pelos políticos” de um novo responsável.
E então, sob propostas de Carlos Gomes Júnior, ficou a saber-se que é mesmo ele o Chefe... até que um outro militar resolva pôr o seu kalashnikovês a funcionar.
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