Em
entrevista à RTP-Informação, Daba Na Walna, o tenente-coronel que é o rosto do
Comando Militar que desencadeou o mais
recente golpe de Estado na Guiné-Bissau, disse algumas verdade relevantes.
Acusou, por
exemplo, Portugal de se ter rendido aos petrodólares de Angola, a CPLP de ser
um organismo telecomandado pelo regime de José Eduardo dos Santos e disse que
Luanda deveria era preocupar-se com Cabinda.
A questão de
Cabinda é relevante, pese embora a alergia que a comunidade internacional, a
CPLP e Portugal sentem quando se fala do assunto. Aliás, nem mesmo os
jornalistas e comentadores sabem o que isso é.
Recordam-se
que o então presidente da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, suspendeu o
reconhecimento da República Árabe Saharui Democrática (RASD), alegando o
cumprimento da resolução das Nações Unidas e o princípio de imparcialidade nas
conversações entre Saara Ocidental e Marrocos?
Em Maio de
2005, quando o entrevistei para o Jornal de Notícias, mas fora do âmbito do que
seria publicado, perguntei a Malam Bacai Sanhá o que pensava sobre Cabinda. Na
altura disse-me que deveria ser independente ou pelo menos motivo de um
referendo, tal como a Republica Árabe Saharui Democrática. Mudaram-se os tempos
e, é claro, as posições (nessa altura era apenas candidato) também.
Malam Bacai
Sanhá sabia que Angola podia desempenhar, para o bem e para o mal, um papel
decisivo na Guiné-Bissau. Para além das afinidades políticas entre o MPLA e o
PAIGC, Luanda protagoniza com toda a sua capacidade económica mas sobretudo
militar um papel decisivo. E se Luanda nem quer ouvir falar de Cabinda...
Bissau calou-se.
A decisão de
Malam Bacai Sanhá sobre a Republica Árabe Saharui Democrática foi expressa num
decreto presidencial em que se alegava a necessidade de "permitir o
prosseguimento regular e equitativo das conversações entre as duas
partes".
Bacai Sanhá
dizia ainda que a sua decisão era apenas a manutenção de uma medida já assumida
pelo Estado guineense, em 1997, na qual a Guiné-Bissau suspendeu o reconhecimento
da RASD.
"O
Estado guineense deve pautar a sua postura pelo respeito das resoluções
emanadas das organizações de que faz parte, conservando consequentemente a sua
postura de pessoa de bem no concerto das Nações", lia-se no decreto de
Bacai Sanhá.
A
Guiné-Bissau havia reconhecido o RASD nos anos 1980, chegando mesmo a manter
uma cooperação política e diplomática forte com esse território, mas a partir
da segunda metade daquela década a situação começou a mudar com o estreitamento
dos laços com Marrocos.
Actualmente,
Marrocos é um dos principais destinos dos estudantes da Guiné-Bissau, havendo
mesmo um número considerável de jovens recém-formados nas escolas marroquinas.
A cooperação no domínio das pescas e da comunicação social é outra das vertentes
da cooperação entre Bissau e Rabat.
Recorde-se
que, talvez por lapso, no dia da tomada de posse de Malam Bacai Sanhá, em
Novembro, os serviços do Protocolo de Estado acabaram por convidar o líder
saarauí, Mohamed Abelzaziz, para a cerimónia.
A Frente Polisário
luta desde 1975 pela independência do Saara Ocidental, antiga colónia espanhola
anexada por Marrocos. As Nações Unidas estão desde a década de 1990 a tentar
realizar um referendo sobre a auto-determinação do território, mas diferendos
sobre o recenseamento têm inviabilizado a consulta.
No que a
Portugal e à CPLP respeita, Daba Na Walna tem toda a razão. A verdade é que ninguém se
atreve a perguntar a Paulo Portas, por exemplo, se acha que Angola respeita os
direitos humanos na sua colónia de Cabinda, ou se é possível a presidência da
CPLP ser ocupada por um país cujo presidente, José Eduardo dos Santos, não foi
eleito e está há 32 anos no poder.
Quanto à
CPLP, não fosse esta uma miragem flutuante nos luxuosos areópagos da política
de língua portuguesa, deveria há muito ter dado força à única tese viável e que também há
muito foi defendida (pelo menos desde Junho de 2009) por Francisco Fadul e que
apontava, enquanto era tempo, para “o envio de uma força multinacional, de
intervenção que garantisse aquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a
democracia e os Direitos Humanos".
Fazê-lo
agora (tal como Portugal) quando alguns militares guineenses não aceitaram que
o seu país passasse a ser um protectorado de Angola, é apenas um acto de
cobardia.
"É
necessária a intervenção de uma força multinacional militar, policial e
administrativa na Guiné-Bissau para a manutenção da ordem, a pacificação social
e a vigilância sobre o funcionamento dos órgãos do Estado", disse
Francisco Fadul.
Na altura,
Junho de 2009, tinha surgido uma das habituais ondas de violência, tendo as
forças de segurança assassinaram os ex-ministros Hélder Proença e Baciro Dabó,
este último então candidato à Presidência, por alegado envolvimento numa
tentativa de golpe de Estado.
Para
Francisco Fadul, "mais uma vez foi reconfirmado que o Estado se tornou um
fiasco, falhou, não existe na prática porque não é capaz de zelar pelos
interesses dos cidadãos, pela preservação da ordem mínima".
"Nem
sequer tem eficácia para conter os usurpadores do poder ou os bandos armados
que estão a actuar no país", disse Francisco Fadul, acrescentando que
estes grupos são "autênticos esquadrões a soldo de chefes militares".
"Não se
trata de bandos indefinidos, desconhecidos", reiterou, frisando não
acreditar "na teoria da tentativa de golpe de Estado".
"É a
falta de cultura histórica e política que os faz falar assim e tentar convencer
as pessoas, pensando que os outros são um grupo de patetas. É clássico o que
eles fizeram, em todos os totalitarismos aparecem sempre denúncias de golpe de
Estado para permitir o abuso da autoridade, o excesso de poder em relação aos
adversários políticos", declarou.
"Apresentam,
como é tradicional, uma lista de suspeitos, de supostos implicados, e uma lista
de objectivos a atingir pelos alegados golpistas", referiu, considerando
que tudo não passa de "balelas, de armação política para justificar uma
acção destruidora, completamente totalitária sobre os adversários
políticos".
"O
Estado não pode transformar-se em criminoso, se assim procede é porque está nas
mãos de criminosos", afirmou.
É certo que
a Guiné-Bissau corre o risco de ser, ou já o é, um não-Estado. Mas não é menos
verdade que Angola não é um Estado de Direito. E também começa a ser verdade
que Portugal caminha a passos largos para se situar ao mesmo nível de Angola.
Só que numa versão mais pobre. Bem mais pobre.
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