domingo, abril 22, 2012

Como eles são fortes… com os fracos!


Portugal encheu o peito e condena com toda a arrogância o que agora se passa na Guiné-Bissau. Portugal julga-se importante quando consegue punir os fracos.

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal diz que a declaração das Nações Unidas marca uma “posição muito clara” e é “um sério aviso aos que insistem na violência na Guiné-Bissau”, exortando os golpistas a “arrepiar caminho” e a retroceder.

Paulo Portas também considera (e isso depende do local onde fala) que o fenómeno das “Primaveras Árabes” foi provocado pela asfixia da liberdade e pela falência de regimes autoritários.

Traduzindo as afirmações de Paulo Portas, que têm leituras diferentes consoante os protagonistas, fica a saber-se que em Angola, embora o regime autoritário de Eduardo dos Santos esteja falido e a liberdade já nem respire, tudo é diferente.

O dono de Angola, há 32 anos no poder sem nunca ter sido eleito, ainda está no galarim dos bestiais e por isso merece toda a confiança, apoio, solidariedade e outras mordomias. Quando passar a besta, então sim, Paulo Portas vai dizer que o regime angolano asfixiava a liberdade.

O que Paulo Portas não diz é que no reino lusitano a norte, embora cada vez mais a sul, de Marrocos existe asfixia da liberdade e um regime também ele cada vez mais autoritário e em falência, pelo menos técnica.

De facto a  liberdade já não respira e o regime de Lisboa é autoritário, para além de desonesto. A liberdade sé existe para pensar o que o regime quer, e o regime mostra todo o seu autoritarismo e desonestidade ao querer que os seus súbditos paguem as dívidas cometidas por outros, nem que para isso tenham de sobreviver – na melhor das hipóteses – a pão e água.

E a falência técnica é de tal ordem que, à velocidade com que se afunda, o reino lusitano ou desaparece  ou, com sorte, consegue flutuar, já sem portugueses, até ao norte de África.

"Muitos destes países (árabes) pedem muita informação a Portugal e solicitam muitos constitucionalistas, muitos políticos experientes no nosso país, para lhes poderem dizer o que é que aconteceu há cerca de quatro décadas em Portugal e como é que se fez a transição de uma Constituição para outra, de um regime para outro. Nós nessa altura tivemos seis governos provisórios até chegarmos à normalidade constitucional", disse Paulo Portas quando visitou a Tunísia.

Mal irão esses países se seguirem os exemplos de todos quantos, uns mais do que outros – é certo, levaram Portugal a este putrefacto estado ao fim de trinta e tal anos. E, já agora, foram eles: Adelino da Palma Carlos, Vasco Gonçalves, Pinheiro de Azevedo, Mário Soares, Nobre da Costa, Mota Pinto, Lurdes Pintasilgo, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates e Pedro Passos Coelho.

Para o ministro dos Negócios Estrangeiros foram a falta de soluções, a ausência de liberdade e o poder prolongado de regimes autoritários as causas das mudanças nos países do Norte de África.

Quando disse isto, estaria Paulo Portas a pensar no seu grande, embora recente, amigo José Eduardo dos Santos? Estava com certeza, embora não o diga.

Por alguma razão, digo eu que nem sou “africanista de Massamá”, a primeira deslocação oficial do ministro Paulo Portas foi a Angola. Não foi, creio, na Primavera, mas foi a forma mais natural de, no âmbito da diplomacia económica, incentivar ainda mais a OPA (Oferta Pública de Aquisição) do MPLA sobre Portugal.

No contexto da Lusofonia, Paulo Portas visitou um país em que 70 por cento da população vive na miséria. Quererá isso dizer alguma coisa? Não. Com certeza que não. Portugal tem outras preocupações bem mais petrolíferas.

Aliás, Paulo Portas não se esqueceu de felicitar o único Estado da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, à qual Luanda preside, que têm – repita-se - há 32 anos o mesmo presidente e que nunca foi eleito. Isto para além de ser (des)governado pelo mesmo partido, o MPLA, desde 1975.

Que importa que Angola seja de facto, que não formalmente, uma ditadura? Sim, o que é que isso importa tanto para o governo português como para uma Presidência supostamente social-democrata, para um ministro democrata-cristão ou para um presidente da República que é um misto de nada com coisa nenhuma?

A única coisa que conta nas ocidentais praias lusitanas é o petróleo, que é um bem muito – mas muito - superior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à cidadania.

Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que tenha nele alguns dos seus mais latos expoentes, como mais uma vez se verificou em relação à Guiné-Bissau.

E como Angola tem petróleo (grande parte roubado na sua colónia de Cabinda), ninguém se atreve a perguntar a Paulo Portas se acha que Angola respeita os direitos humanos, ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país cujo presidente é quem é. Neste caso, ninguém fala de Primaveras…

Paulo Portas, como não poderia deixar de ser, não vê o que se passa mas amplia o que gostava que se passasse. Vai daí não se cansa (embora sem a mesma efusividade de José Sócrates) de enaltecer os méritos do regime angolano.

É claro que em Angola, tal como nos restantes países da Lusofonia com destaque para a Guiné-Bissau, existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que significa um êxito também para Portugal.

Paulo Portas, tal como Cavaco Silva, Passos Coelho e José Sócrates, tem razão. O importante é mesmo os famintos e miseráveis da Lusofonia saberem dizer, em bom português, “não conseguimos viver sem comer”. Continuarão, como até aqui, sem comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organizações internacionais vão perceber o que eles dizem.

Recordam-se que, no dia 6 de Maio de 2008, o músico e activista Bob Geldof afirmou, em Lisboa, que Angola é um país "gerido por criminosos"? Ele disse, mas nem Cavaco, nem Sócrates, nem Passos Coelho, nem Paulo Portas ouviram.

E não ouviram porque as verdades são duras e o capataz do reino angolano, Eduardo dos Santos, não iria gostar que eles dissessem que ouviram.

E, assim sendo, o melhor é encher o peito e condenar com toda a arrogância o que agora se passa na Guiné-Bissau. Portugal julga-se importante quando consegue punir os fracos.

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