Portugal
encheu o peito e condena com toda a arrogância o que agora se passa na
Guiné-Bissau. Portugal julga-se importante quando consegue punir os fracos.
O ministro
dos Negócios Estrangeiros de Portugal diz que a declaração das Nações Unidas
marca uma “posição muito clara” e é “um sério aviso aos que insistem na
violência na Guiné-Bissau”, exortando os golpistas a “arrepiar caminho” e a
retroceder.
Paulo Portas
também considera (e isso depende do local onde fala) que o fenómeno das
“Primaveras Árabes” foi provocado pela asfixia da liberdade e pela falência de
regimes autoritários.
Traduzindo
as afirmações de Paulo Portas, que têm leituras diferentes consoante os
protagonistas, fica a saber-se que em Angola, embora o regime autoritário de
Eduardo dos Santos esteja falido e a liberdade já nem respire, tudo é
diferente.
O dono de
Angola, há 32 anos no poder sem nunca ter sido eleito, ainda está no galarim
dos bestiais e por isso merece toda a confiança, apoio, solidariedade e outras
mordomias. Quando passar a besta, então sim, Paulo Portas vai dizer que o
regime angolano asfixiava a liberdade.
O que Paulo
Portas não diz é que no reino lusitano a norte, embora cada vez mais a sul, de
Marrocos existe asfixia da liberdade e um regime também ele cada vez mais
autoritário e em falência, pelo menos técnica.
De facto
a liberdade já não respira e o regime de
Lisboa é autoritário, para além de desonesto. A liberdade sé existe para pensar
o que o regime quer, e o regime mostra todo o seu autoritarismo e desonestidade
ao querer que os seus súbditos paguem as dívidas cometidas por outros, nem que
para isso tenham de sobreviver – na melhor das hipóteses – a pão e água.
E a falência
técnica é de tal ordem que, à velocidade com que se afunda, o reino lusitano ou
desaparece ou, com sorte, consegue
flutuar, já sem portugueses, até ao norte de África.
"Muitos
destes países (árabes) pedem muita informação a Portugal e solicitam muitos
constitucionalistas, muitos políticos experientes no nosso país, para lhes
poderem dizer o que é que aconteceu há cerca de quatro décadas em Portugal e
como é que se fez a transição de uma Constituição para outra, de um regime para
outro. Nós nessa altura tivemos seis governos provisórios até chegarmos à
normalidade constitucional", disse Paulo Portas quando visitou a Tunísia.
Mal irão
esses países se seguirem os exemplos de todos quantos, uns mais do que outros –
é certo, levaram Portugal a este putrefacto estado ao fim de trinta e tal anos.
E, já agora, foram eles: Adelino da Palma Carlos, Vasco Gonçalves, Pinheiro de
Azevedo, Mário Soares, Nobre da Costa, Mota Pinto, Lurdes Pintasilgo, Sá
Carneiro, Pinto Balsemão, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso,
Santana Lopes, José Sócrates e Pedro Passos Coelho.
Para o
ministro dos Negócios Estrangeiros foram a falta de soluções, a ausência de
liberdade e o poder prolongado de regimes autoritários as causas das mudanças
nos países do Norte de África.
Quando disse
isto, estaria Paulo Portas a pensar no seu grande, embora recente, amigo José
Eduardo dos Santos? Estava com certeza, embora não o diga.
Por alguma
razão, digo eu que nem sou “africanista de Massamá”, a primeira deslocação
oficial do ministro Paulo Portas foi a Angola. Não foi, creio, na Primavera,
mas foi a forma mais natural de, no âmbito da diplomacia económica, incentivar
ainda mais a OPA (Oferta Pública de Aquisição) do MPLA sobre Portugal.
No contexto
da Lusofonia, Paulo Portas visitou um país em que 70 por cento da população
vive na miséria. Quererá isso dizer alguma coisa? Não. Com certeza que não.
Portugal tem outras preocupações bem mais petrolíferas.
Aliás, Paulo
Portas não se esqueceu de felicitar o único Estado da CPLP - Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, à qual Luanda preside, que têm – repita-se - há 32
anos o mesmo presidente e que nunca foi eleito. Isto para além de ser
(des)governado pelo mesmo partido, o MPLA, desde 1975.
Que importa
que Angola seja de facto, que não formalmente, uma ditadura? Sim, o que é que
isso importa tanto para o governo português como para uma Presidência
supostamente social-democrata, para um ministro democrata-cristão ou para um
presidente da República que é um misto de nada com coisa nenhuma?
A única
coisa que conta nas ocidentais praias lusitanas é o petróleo, que é um bem
muito – mas muito - superior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à
cidadania.
Reconheça-se,
contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se
bem que tenha nele alguns dos seus mais latos expoentes, como mais uma vez se
verificou em relação à Guiné-Bissau.
E como
Angola tem petróleo (grande parte roubado na sua colónia de Cabinda), ninguém
se atreve a perguntar a Paulo Portas se acha que Angola respeita os direitos
humanos, ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país
cujo presidente é quem é. Neste caso, ninguém fala de Primaveras…
Paulo
Portas, como não poderia deixar de ser, não vê o que se passa mas amplia o que
gostava que se passasse. Vai daí não se cansa (embora sem a mesma efusividade
de José Sócrates) de enaltecer os méritos do regime angolano.
É claro que
em Angola, tal como nos restantes países da Lusofonia com destaque para a
Guiné-Bissau, existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com
fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem
em... português... o que significa um êxito também para Portugal.
Paulo
Portas, tal como Cavaco Silva, Passos Coelho e José Sócrates, tem razão. O
importante é mesmo os famintos e miseráveis da Lusofonia saberem dizer, em bom
português, “não conseguimos viver sem comer”. Continuarão, como até aqui, sem
comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organizações
internacionais vão perceber o que eles dizem.
Recordam-se
que, no dia 6 de Maio de 2008, o músico e activista Bob Geldof afirmou, em
Lisboa, que Angola é um país "gerido por criminosos"? Ele disse, mas
nem Cavaco, nem Sócrates, nem Passos Coelho, nem Paulo Portas ouviram.
E não
ouviram porque as verdades são duras e o capataz do reino angolano, Eduardo dos
Santos, não iria gostar que eles dissessem que ouviram.
E, assim
sendo, o melhor é encher o peito e condenar com toda a arrogância o que agora
se passa na Guiné-Bissau. Portugal julga-se importante quando consegue punir os
fracos.
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