«Quando esta edição do JN chegar às mãos dos leitores, talvez ainda não seja conhecido o desfecho das eleições em Angola. Pouco importa: o sufrágio não justificou especial investimento de casas de apostas, tão previsível é a vitória do MPLA. O regime de José Eduardo dos Santos cumpre assim o requisito mínimo rumo à respeitabilidade no plano internacional.
A evolução do processo angolano (nisso o país não está só) testa os limites do que se convencionou designar de democracia, na velha perspectiva de raiz liberal. Não vale invocar especificidades de uma democracia adaptada à cultura africana, porque como assinalava anteontem no "Público" o escritor José Eduardo Agualusa, o MPLA é em Angola, mais do que qualquer outro partido, o "rosto" do Ocidente. A "representação" é válida também (ou sobretudo) no domínio dos princípios democráticos, cujo cumprimento, aliás, o regime proclama.
As eleições realizaram-se em ambiente de total hegemonia do partido que há anos governa o país sem adversário visível. Fosse esse panorama suficiente para condicionar a opção dos eleitores e já não seria pouco. Sucede que, como era previsível, a "igualdade de armas" entre concorrentes não passou de ficção. O MPLA pôs, sem pudor, os media locais ao seu serviço. E tratou de impedir a presença de órgãos de comunicação social portugueses que têm vindo a criticar o regime. Neste caso, a estratégia foi mais refinada; passou pela burocrática recusa de vistos.
Perante tão "virtuosa" prova de conversão à liberdade de Imprensa, não se ouviu uma palavra de elogio da parte do presidente da República, Cavaco Silva. Quanto ao Governo, fez o que pôde para não se pronunciar. Não viesse a ser acusado de tiques neocolonialistas. Ou, pior, não tivessem duas ou três palavrinhas do primeiro-ministro, moderamente críticas, o efeito de bloquear os investimentos nacionais na antiga colónia.
Democrática na forma, Angola consolida a sua ambição de potência regional. É pouco provável que o pedido de impugnação das eleições em Luanda, feito pela UNITA, dure politicamente mais do que uns dias. É que também a comunidade internacional tem pressa em passar a uma nova fase da era das "oportunidades de negócio", à boleia do acelerado crescimento económico do país.
Todos sabemos o que significa crescimento económico quando, como é o caso, não é acompanhado de redistribuição. A "clique" do regime - desde logo a família presidencial - há-de engordar ainda mais e muita gente continuará a passar fome. A estatística regista mais um frango? Se eu o comer e tu só lhe apanhares o cheiro, cada um de nós come, em média, meio frango...»
Texto de Paulo Martins in: Jornal de Notícias
A evolução do processo angolano (nisso o país não está só) testa os limites do que se convencionou designar de democracia, na velha perspectiva de raiz liberal. Não vale invocar especificidades de uma democracia adaptada à cultura africana, porque como assinalava anteontem no "Público" o escritor José Eduardo Agualusa, o MPLA é em Angola, mais do que qualquer outro partido, o "rosto" do Ocidente. A "representação" é válida também (ou sobretudo) no domínio dos princípios democráticos, cujo cumprimento, aliás, o regime proclama.
As eleições realizaram-se em ambiente de total hegemonia do partido que há anos governa o país sem adversário visível. Fosse esse panorama suficiente para condicionar a opção dos eleitores e já não seria pouco. Sucede que, como era previsível, a "igualdade de armas" entre concorrentes não passou de ficção. O MPLA pôs, sem pudor, os media locais ao seu serviço. E tratou de impedir a presença de órgãos de comunicação social portugueses que têm vindo a criticar o regime. Neste caso, a estratégia foi mais refinada; passou pela burocrática recusa de vistos.
Perante tão "virtuosa" prova de conversão à liberdade de Imprensa, não se ouviu uma palavra de elogio da parte do presidente da República, Cavaco Silva. Quanto ao Governo, fez o que pôde para não se pronunciar. Não viesse a ser acusado de tiques neocolonialistas. Ou, pior, não tivessem duas ou três palavrinhas do primeiro-ministro, moderamente críticas, o efeito de bloquear os investimentos nacionais na antiga colónia.
Democrática na forma, Angola consolida a sua ambição de potência regional. É pouco provável que o pedido de impugnação das eleições em Luanda, feito pela UNITA, dure politicamente mais do que uns dias. É que também a comunidade internacional tem pressa em passar a uma nova fase da era das "oportunidades de negócio", à boleia do acelerado crescimento económico do país.
Todos sabemos o que significa crescimento económico quando, como é o caso, não é acompanhado de redistribuição. A "clique" do regime - desde logo a família presidencial - há-de engordar ainda mais e muita gente continuará a passar fome. A estatística regista mais um frango? Se eu o comer e tu só lhe apanhares o cheiro, cada um de nós come, em média, meio frango...»
Texto de Paulo Martins in: Jornal de Notícias
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