Responsáveis da Igreja angolana revelam alguma apreensão quanto às legislativas da próxima sexta-feira, questionando mesmo se o ambiente é propício a eleições livres e justas. Para bom entendedor... No entanto a comédia (que pode virar tragédia) continua.
Trata-se, contudo, de uma análise subjectiva da Igreja. Dos manuais do partido que (des)governa Angola há 33 anos, o MPLA, e que ainda recentemente mereceu rasgados elogios do primeiro-ministro português, consta uma definição bem objectiva: as aleições serão livres e justas se forem ganhas pelo... MPLA.
O padre José Imbamba, director do serviço de comunicações da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, afirmou à Agência Ecclesia estar ao corrente dos receios da população face às eleições, dizendo que "não o podemos negar. A experiência de 1992 foi dura e deixou marcas em muitas pessoas."
O sacerdote referia-se à violência que deflagrou após as últimas eleições em Angola e que, segundo o MPLA, também terão sido livres e justas porque foi ele o vencedor. Muitos observadores disseram o contrário, mas a verdade é só uma, a do MPLA e mais nenhuma.
O governo do presidente José Eduardo dos Santos, que também é presidente do MPLA, já garantiu que estão reunidas todas condições para que o escrutínio decorra de forma pacífica e democrática, mas os próprios cidadãos estão apreensivos.
Perante os receios, o padre Imbamba apela aos angolanos para "votarem sem medo e darem uma resposta aos políticos, manifestando-se assim contra a guerra". Recorde-se que as eleições de 5 de Setembro são as primeiras desde o fim da sangrenta guerra civil no país, em 2002.
Mas não é apenas a Igreja que se manifesta preocupada com as legislativas de sexta-feira. O presidente da Associação Cívica Justiça, Paz e Democracia, Fernando Macedo, alerta para a disparidade de meios do partido que sustém o governo.
"Há partidos a distribuir bicicletas, carros, motas e outros bens de alta valia material e fazem-no com orientação de voto", declarou Fernando Macedo, citado pela Rádio Renascença, denunciando a existência de corrupção na campanha eleitoral angolana e um tratamento privilegiado ao MPLA. Que grande novidade! (ver «MPLA distribui dinheiro, cerveja e uisque»).
Curioso, ou nem tanto, é ver que se não forem outros a dizerem estas verdades, os jornalistas não assumem na primeira pessoa essas denúncias. Tudo o que, entre muitos outros, é dito pelo Fernando Macedo é constatado pelos jornalistas que, contudo, não se atrevem a dizê-lo. A liberdade apregoada pelo MPLA tem destas coisas.
Alguém viu os jornalistas interessados em dizer ao mundo que mais de 68% da população angolana vive em pobreza extrema e que a taxa estimada de analfabetismo é de 58%?
Alguém viu os jornalistas interessados em dizer ao mundo que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?
Alguém viu os jornalistas interessados em dizer ao mundo que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém viu os jornalistas interessados em dizer ao mundo que o seu silêncio, ou omissão, se deve à coação e às ameaças do partido que está no poder há 33 anos?
Alguém viu os jornalistas interessados em dizer ao mundo que a corrupção política e económica é, hoje como ontem, utilizada contra todos os que querem ser livres?
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