quinta-feira, agosto 28, 2008

Silêncio, que se vai votar em Angola

«Na próxima semana há eleições em Angola pela primeira vez em 16 anos. Esta é, sem dúvida, uma boa notícia. Mas, tirando esse facto, pouco se sabe sobre o que realmente se está a passar neste país africano. O silêncio dos média internacionais, e em particular dos portugueses, num período de campanha eleitoral, diz muito sobre as condições em que as eleições estão a ser preparadas.

Este silêncio não acontece por acaso. Os jornalistas e observadores internacionais estão a encontrar dificuldades em obter vistos e os que estão em Angola pouco conseguem saber sobre o que se passa para lá dos arredores de Luanda. Sabe-se apenas que os meses que precederam as eleições foram marcados pelo encerramento de uma rádio independente, pelo silenciamento das vozes críticas nos media e por episódios de violência e intimidação de militantes dos partidos da oposição.

A Human Rights Watch documentou numerosos incidentes de violência política de apoiantes do MPLA sobre dirigentes de partidos da oposição, que aconteceram durante o período de registo eleitoral, entre Novembro de 2006 e Maio de 2008, e mesmo alguns casos posteriores. Salienta que a violência política tem ocorrido principalmente em zonas rurais, e que inclui "agressões por apoiantes locais do MPLA, por vezes envolvendo autoridades tradicionais e líderes locais do MPLA, contra membros locais do partido UNITA, as suas propriedades e símbolos partidários".

Esta organização de direitos humanos documentou intimidações e episódios de violência no Huambo, Bié e Benguela, algumas das zonas onde a UNITA poderia ter maior capacidade de mobilização. Fala também de repressão governamental em Cabinda, referindo que, em 2008, os militares têm continuado a deter civis por consideráveis períodos de tempo, por alegados "crimes contra a segurança do estado", sem que esses civis sejam presentes a um órgão de justiça independente. Nas regiões ricas em diamantes (Lunda Norte e Sul) há fortes restrições aos movimentos e relatos de abusos por parte das empresas de segurança e grupos paramilitares.

A pressão do governo sobre os media angolanos também se intensificou nos últimos meses. Em Maio, a televisão estatal suspendeu o apresentador Ernesto Bartolomeu por este ter admitido publicamente existir um elevado grau de interferência do MPLA na linha editorial da televisão pública. Em Junho, o director do "Semánario Angolense", Felisberto Graça Campos, foi condenado a uma pena de seis meses de prisão por queixas de difamação apresentadas por membros do governo. Em Julho de 2008, o Ministro dos Correios e Telecomunicações ordenou a suspensão, por 180 dias, da Rádio Despertar. A Rádio Ecclesia, pertencente à Igreja Católica, recebeu também ordem para garantir que o seu sinal se mantenha restrito a Luanda, uma vez que a lei de imprensa não permite que as rádios privadas emitam para o restante território nacional. Estes são apenas alguns exemplos que se juntam a inúmeros actos de intimidação e violência sobre os jornalistas angolanos.

Todos estes factos apontam no sentido de não haver um clima de verdadeira abertura e liberdade nas eleições da próxima semana. Os observadores internacionais que estão chegar ao território poderão, caso lhes sejam dadas condições, verificar se o acto eleitoral seguirá as formalidades, mas há fortes dúvidas de que possam supervisionar a transparência do acto eleitoral em todo o território. Algumas pessoas suspeitam de que o alargamento do período eleitoral para dois dias, decidido pelo governo, poderá facilitar a fraude.

O clima em que se preparou este acto eleitoral e o silêncio que está a verificar face à campanha eleitoral são péssimos indícios. Situação que é ainda mais grave pois a estas eleições seguem-se eleições presidenciais no próximo ano. Se nem para a assembleia o MPLA se mostrou aberto a permitir um clima de maior liberdade, nas eleições presidenciais do próximo ano, em que vai estar em causa o centro do poder, ainda menos estará. Angola perde, assim, uma oportunidade única de se abrir e democratizar.

A comunicação social portuguesa tem o dever de denunciar esta manipulação. Será estranho que os mesmos órgãos de comunicação social que deram tanto destaque à situação económica de Angola, agora fechem os olhos à situação política e social de um país onde o enriquecimento de poucos se está a fazer por cima dos direitos políticos e sociais de uma maioria que deve continuar a aceitar a sua pobreza de boca calada. É estranho que os mesmos órgãos de comunicação social que expuseram a corrupção e as manobras de intimidação e manipulação de Mugabe mantenham o silêncio sobre o regime de José Eduardo dos Santos. A responsabilidade da imprensa é falar a verdade. Mesmo quando esta é inconveniente. Mesmo quando não recebe carimbo no passaporte, ou principalmente nesse caso. A nossa responsabilidade histórica é com os angolanos, não com o regime que tem medo que eles saibam mais sobre o país onde vivem.»

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