«Na próxima semana há eleições em Angola pela primeira vez em 16 anos. Esta é, sem dúvida, uma boa notícia. Mas, tirando esse facto, pouco se sabe sobre o que realmente se está a passar neste país africano. O silêncio dos média internacionais, e em particular dos portugueses, num período de campanha eleitoral, diz muito sobre as condições em que as eleições estão a ser preparadas.
Este silêncio não acontece por acaso. Os jornalistas e observadores internacionais estão a encontrar dificuldades em obter vistos e os que estão em Angola pouco conseguem saber sobre o que se passa para lá dos arredores de Luanda. Sabe-se apenas que os meses que precederam as eleições foram marcados pelo encerramento de uma rádio independente, pelo silenciamento das vozes críticas nos media e por episódios de violência e intimidação de militantes dos partidos da oposição.
A Human Rights Watch documentou numerosos incidentes de violência política de apoiantes do MPLA sobre dirigentes de partidos da oposição, que aconteceram durante o período de registo eleitoral, entre Novembro de 2006 e Maio de 2008, e mesmo alguns casos posteriores. Salienta que a violência política tem ocorrido principalmente em zonas rurais, e que inclui "agressões por apoiantes locais do MPLA, por vezes envolvendo autoridades tradicionais e líderes locais do MPLA, contra membros locais do partido UNITA, as suas propriedades e símbolos partidários".
Esta organização de direitos humanos documentou intimidações e episódios de violência no Huambo, Bié e Benguela, algumas das zonas onde a UNITA poderia ter maior capacidade de mobilização. Fala também de repressão governamental em Cabinda, referindo que, em 2008, os militares têm continuado a deter civis por consideráveis períodos de tempo, por alegados "crimes contra a segurança do estado", sem que esses civis sejam presentes a um órgão de justiça independente. Nas regiões ricas em diamantes (Lunda Norte e Sul) há fortes restrições aos movimentos e relatos de abusos por parte das empresas de segurança e grupos paramilitares.
A pressão do governo sobre os media angolanos também se intensificou nos últimos meses. Em Maio, a televisão estatal suspendeu o apresentador Ernesto Bartolomeu por este ter admitido publicamente existir um elevado grau de interferência do MPLA na linha editorial da televisão pública. Em Junho, o director do "Semánario Angolense", Felisberto Graça Campos, foi condenado a uma pena de seis meses de prisão por queixas de difamação apresentadas por membros do governo. Em Julho de 2008, o Ministro dos Correios e Telecomunicações ordenou a suspensão, por 180 dias, da Rádio Despertar. A Rádio Ecclesia, pertencente à Igreja Católica, recebeu também ordem para garantir que o seu sinal se mantenha restrito a Luanda, uma vez que a lei de imprensa não permite que as rádios privadas emitam para o restante território nacional. Estes são apenas alguns exemplos que se juntam a inúmeros actos de intimidação e violência sobre os jornalistas angolanos.
Todos estes factos apontam no sentido de não haver um clima de verdadeira abertura e liberdade nas eleições da próxima semana. Os observadores internacionais que estão chegar ao território poderão, caso lhes sejam dadas condições, verificar se o acto eleitoral seguirá as formalidades, mas há fortes dúvidas de que possam supervisionar a transparência do acto eleitoral em todo o território. Algumas pessoas suspeitam de que o alargamento do período eleitoral para dois dias, decidido pelo governo, poderá facilitar a fraude.
O clima em que se preparou este acto eleitoral e o silêncio que está a verificar face à campanha eleitoral são péssimos indícios. Situação que é ainda mais grave pois a estas eleições seguem-se eleições presidenciais no próximo ano. Se nem para a assembleia o MPLA se mostrou aberto a permitir um clima de maior liberdade, nas eleições presidenciais do próximo ano, em que vai estar em causa o centro do poder, ainda menos estará. Angola perde, assim, uma oportunidade única de se abrir e democratizar.
A comunicação social portuguesa tem o dever de denunciar esta manipulação. Será estranho que os mesmos órgãos de comunicação social que deram tanto destaque à situação económica de Angola, agora fechem os olhos à situação política e social de um país onde o enriquecimento de poucos se está a fazer por cima dos direitos políticos e sociais de uma maioria que deve continuar a aceitar a sua pobreza de boca calada. É estranho que os mesmos órgãos de comunicação social que expuseram a corrupção e as manobras de intimidação e manipulação de Mugabe mantenham o silêncio sobre o regime de José Eduardo dos Santos. A responsabilidade da imprensa é falar a verdade. Mesmo quando esta é inconveniente. Mesmo quando não recebe carimbo no passaporte, ou principalmente nesse caso. A nossa responsabilidade histórica é com os angolanos, não com o regime que tem medo que eles saibam mais sobre o país onde vivem.»
Artigo de Manuel Caldeira Cabral publicado em: http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS_OPINION&id=329184
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