segunda-feira, agosto 04, 2008

Não. Não é uma história do Burkina Faso

"Eduardo Oliveira Costa é director do «Recortes da Província», um pequeno jornal de Oliveira de Azeméis que, no espaço de três anos, aumentou 72 vezes as suas vendas efectivas. Este prodígio valeu-lhe o mais alto subsídio de difusão concedido à imprensa regional portuguesa e a quinta parte do subsídio de porte pago total. Investigações recentes realizadas pelo serviço de inspecção dos CTT concluem que o Estado foi ludibriado em 130 mil contos a favor daquela empresa pública.

Tudo indica que vários funcionários dos correios de Oliveira de Azeméis assinaram notas de expedição de jornais que nunca foram enviados. Oliveira Costa recebeu, no ano passado, mais de nove mil contos por jornais que não publicou.

Quanto ao corpo redactorial, o cargo de chefe de redacção é assegurado por Jacinto Borges, indivíduo que desde há seis anos não mantém contactos profissionais com o director e que só há pouco tempo teve conhecimento de que o seu nome era referido na ficha técnica do «Recortes». O redactor, Nelson Ferreira, é um antigo sapateiro, cunhado de Eduardo Costa.

As suspeitas começaram a esboçar-se em 1988, quando o «Recortes da Província» divulga um aumento do número de vendas efectivas de 96 mil para um milhão e 200 mil exemplares. Se até 87, o periódico de Oliveira de Azeméis recebia um subsídio de difusão de cerca de 450 contos, em 88 passa a ter direito a um subsídio superior a dois mil contos.

É igualmente estranho que os documentos enviados ao Governo pela empresa Oliveira Costa & Santos, Lda., proprietária do jornal, referentes ao ano de 88, indiquem que o milhão e 200 mil exemplares dizem respeito a 92 edições de periodicidade trissemanal. Ora, a ser editado três vezes por semana, o «Recortes da Província» devia apresentar 156 edições.

Em 1990, o jornal apresenta uma tiragem anual superior a oito milhões de exemplares, com sobras na ordem dos 100 mil, o que lhe vale um subsídio de difusão de nove mil e 200 contos. Isto quer dizer que no prazo de três anos o «Recortes da Província» aumentou 72 vezes o número de vendas efectivas, beneficiando de um subsídio de difusão que aumentou 20 vezes.

Saliente-se, no entanto, que a gráfica que imprime o jornal não tem capacidade técnica para tiragens deste calibre. De acordo com fontes próximas do processo, aquela gráfica, para garantir tal tiragem, necessitaria de um avanço de quatro dias relativamente à publicação do jornal.

O «Recortes da Província» é, inacreditavelmente, a publicação regional que beneficia de maior subsidio estatal, referente às vendas efectivas que diz realizar. Não obstante outra publicação, o «Correio de Azeméis» - que Eduardo Costa também administra - referir que se trata do "jornal de maior circulação da imprensa regional portuguesa".

Em que ficamos? Isto enquanto o «Jornal do Fundão» apresenta perto de um milhão de exemplares vendidos (o que equivale a mil e 300 contos de subsídio de difusão, e o «Diário de Coimbra» cerca de dois mil e 200, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de quase três mil contos. Saliente-se, contudo, que a importância e o prestígio do «Recortes» não pode ser comparável ao daqueles jornais, conhecidos em todo o País e nos núcleos de emigrantes espalhados por todo o mundo.

Mas Eduardo Oliveira Costa foi muito mais longe. Alegando que o «Recortes da Província» se vendia quase exclusivamente por assinatura, beneficiou de um subsídio de porte pago que em 1987 rondava os sete mil e quinhentos contos, em 88 cerca de nove mil contos e que em 89 ascendia aos 130 mil, o que equivale à quinta parte do subsídio total atribuído pelo Estado à imprensa regional. Isto quando se comentava entre a concorrência que o jornal não tinha, sequer, lista de assinantes. Mesmo assim, a Direcção Geral de Comunicação Social não pôde deixar de pagar a factura de 130 mil contos aos CTT, para compensar os gastos com a expedição dos exemplares do «Recortes».

As habilitações de Oliveira Costa não vão além do antigo quinto ano do liceu. Incompleto. Eduardo Costa começou a sua carreira jornalística há 12 anos, com o envio de um texto de sua autoria para o «Correio de Azeméis». A peça, que se debruçava sobre problemas ecológicos, parece ter agradado ao então director da publicação, que mais tarde o veio a convidar para dirigir o jornal.

Mas o seu nome só se tornou conhecido quando o Estado resolveu apadrinhar a imprensa regional. Desde então, o antigo empregado de escritório de uma sapataria passou a ostentar sinais inequívocos de riqueza. Ultimamente tem sido visto ao volante de diferentes automóveis de luxo. Entre as suas mais recentes aquisições, contam-se um Citroen XM, um Audi 80 e um Volkswagem Golf descapotável.»

Texto publicado no jornal «O Independente», de 3 de Maio de 1991, com o título «O grande burlão».

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