O Presidente da República de Angola defendeu hoje, numa mensagem ao país, que Angola “pode dar um exemplo” ao continente e ao mundo “sobre a forma como realizar eleições democráticas, livres e transparentes”.
Em 1992, José Eduardo disse mais ou menos a mesma coisa e, para mal dos angolanos, foi o que se sabe. Não custa, contudo, dar-lhe mais uma vez o benefício da dúvida. Aliás, os angolanos não têm feito outra coisa.
Na véspera da campanha eleitoral para as legislativas de 5 de Setembro, José Eduardo dos Santos lançou, neste discurso transmitido pela Televisão Pública de Angola e pela Rádio Nacional de Angola, um apelo “a todos os cidadãos, aos partidos políticos e coligações partidárias” para que “mantenham uma postura responsável, respeitando a lei e a ordem estabelecida para que a campanha eleitoral e o acto eleitoral se desenrolem com um alto padrão de civismo”.
As palavras são as certas. Quanto às práticas, cá estaremos para ver. Não vamos, obviamente, ver todos as mesmas coisas. É que, por razões conhecidas, muitos jornalistas até já têm um manual do que devem ver nestas eleições.
“Não devemos ceder à provocação. Vamos frustrar as previsões daqueles que, sem qualquer fundamento, afirmam que poderemos viver um clima de insegurança e desestabilização”, defendeu o Chefe de Estado angolano, acrescentando que “este momento representa um passo sem precedentes para a normalização da vida política e institucional do país e para o aperfeiçoamento do Estado de Direito Democrático” em Angola.
Cá para mim, que não tenho o tal manual, as eleições poderão ser não o aperfeiçoamento do Estado de Direito Democrático, porque só se aperfeiçoa o que já existe, mas o início desse Estado de Direito Democrático. Assim, sim.
Embora neste discurso o Presidente da República e do partido (MPLA) que governa Angola desde a independência (11 de Novembro de 1975) tenha dito sobretudo coisas certas, não consegiu resistir a alguns resquícios do passado.
“Desde as primeiras eleições gerais em 1992, avançámos sempre na direcção da normalidade política, umas vezes mais devagar, outras mais depressa, vencendo todas as dificuldades que encontramos pelo caminho”, lembrou.
As dificuldades deveram-se (isto também não deve constar dos tais manuais) ao facto de o MPLA ter viciado, com a óbvia conivência da comunidade internacional e com destaque para Portugal, os resultados. Se o não tivesse feito, talvez hoje se pudesse falar com toda a legitimidade em aperfeiçoamento do Estado de Direito Democrático.
Eduardo dos Santos apelou ainda a que, no período de campanha eleitoral, se continue “a manter a tranquilidade” e “uma atitude de respeito e tolerância em relação às opiniões que sejam diferentes”.
Está-se a ver, não está? Vejam-se os discursos de pré-campanha de altas figuras do MPLA e do Governo para se ver o respeito que eles têm pelos que pensam de maneira diferente.
O respeito pelos que têm opiniões diferentes vê-se, igualmente, pela triagem (é uma forma simpática de dizer censura) que o MPLA está a fazer aos jornalistas que irão a Angola acompanhar as eleições.
Também é verdade que a escolha dos jornalistas estrangeiros não é feita pelo MPLA. É claro que não. Em alguns casos é feita por quem manda nos órgãos de comunicação social, sendo perfeitamente irrelevante que nos accionistas de referência possa estar, ou não, a Sonangol – por exemplo...
Sem comentários:
Enviar um comentário