Se não for possível deixar às gerações vindouras, nomeadamente às que têm no corpo e na alma a utopia eterna da angolanidade (seja, ou não no contexto da Lusofonia), algum património, ao menos lutemos para lhes deixar algo mais do que a expressão exacta da nossa cobardia que serve para alimentar os poucos que têm milhões e deixar morrer à fome os milhões que têm pouco, ou nada.
Porque não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar, permito-me a ousadia (que espero compartilhada por todos os que responderam a esta chamada) de tentar o impossível já que - reconheçamos - o possível fazemos nós todos os dias.
Como jornalista, como angolano, como ser humano, entendo que a situação angolana ultrapassa todos os limites, mau grado a indiferença criminosa de quem, em Angola ou no Mundo, nada faz para acabar com a morte viva que oito anos depois da paz caracteriza um povo que morre mesmo antes de nascer.
E morre todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morre enquanto nós, aqui em Portugal, cantamos e rimos (como no tempo anterior ao 25 de Abril). E morre enquanto outros, em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, no interior do território, nem sabem o que é comer.
É que, quer o MPLA queira ou não, como na guerra, a vitória é uma ilusão quando o povo morre à fome. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, ninguém sairá vencedor, mesmo que haja eleições. Todos perdem. Todos perdemos.
Creio, aliás, que o próprio José Eduardo dos Santos terá de vez em quando consciência de que a sua ditadura não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução.
Creio que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os angolanos, irmãos de sangue, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros.
Se se entenderam para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não será difícil que entendam agora que a força da razão pode e deve substituir a razão da força.
Durante 27 anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamente pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.
Mais do que julgar e incriminar importa, nesta altura, parar. Parar definitivamente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliadoras, ganhar tempo para meter mais armas em Angola, ganhar tempo para formar novos generais, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para enganar o Povo.
Angola tem militares a mais e angolanos a menos. Angola tem minas que chegam para encher durante um século os cemitérios. Angola tem feridas suficientes para ocupar os médicos (que não tem) durante décadas.
Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunidades, a justiça, o Estado de Direito cheguem antes de morrer o último angolano. Espero que disso se convença José Eduardo dos Santos, um angolano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
Foto: 4 de Abril de 2002, o chefe das Forças Armadas de Angola, à direita, Armando da Cruz Neto, e Abreu Muengo 'Kamorteiro', comandante das FALA.
1 comentário:
Grande Orlando! Eu estou sempre deste lado, para o apoiar na sua missão e divulgo a sua mensagem.
Uma boa Páscoa.
Abraço. :)
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