Não sei qual será a utilidade, mas é verdade que a Comissão de Negócios Estrangeiros do parlamento português quer ouvir o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho, sobre a situação na Guiné-Bissau.
O caso do ex-chefe da Armada guineense Bubo Na Tchuto, desde ontem (e não se sabe até quando) um nome forte do país, é revelador do que Portugal (não) pensa sobre a Guiné-Bissau.
Em Janeiro, quando oficialmente Bubo Na Tchuto era procurado pela justiça e se tinha refugiado na sede da ONU em Bissau, João Gomes Cravinho disse que o caso veio "expor completamente a fragilidade das instituições" guineenses.
Basta ler (se alguém tiver paciência para isso) o que Gomes Cravinho disse uma vez, nem que seja há um par de anos, para se saber que sempre que fala da Guiné-Bissau usa as mesmas ideias, os mesmos argumentos, a mesma teoria e, é claro, a mesma passividade.
o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal só altera o nomes dos protagonistas. Hoje é Bubo Na Tchuto, tal como já foram, entre outros, Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e João Bernardo Nino Vieira.
E por falar em Gomes Cravinho, recordam-se que ele afirmou no dia 4 de Dezembro de 2007 que a União Europeia devia libertar-se da "bagagem colonial" na relação com África, reconhecendo que o continente “é hoje um igual" com "progressos notáveis" nos últimos anos?
E por falar em Gomes Cravinho, recordam-se que ele comparou em Novembro de 2005, numa entrevista ao Expresso, Jonas Savimbi (que tinha morrido três anos antes) a Hitler?
E por falar em Gomes Cravinho, creio que um dia destes irá dizer que “Nino” Vieira foi outro Hitler africano. Isto porque o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal tem coragem suficiente para fazer destas afirmações sobre pessoas depois de eles terem morrido.
Sobre os vivos, por muito mais que eles se assemelhem a Hitler, como é o caso de Robert Mugabe, Cravinho apenas sabe estar calado.
Se esta conclusão estiver certa, esperemos que Gomes Cravinho se mantenha calado por muito tempo. Será sinal de que mais nenhum dirigente guineense foi morto. Mas pelo andar das coisas...
No dia 25 de Junho do ano passado, João Gomes Cravinho falou sobre a situação na Guiné-Bissau, apelando para uma resolução rápida da situação dos detidos por militares a 5 de Junho.
João Gomes Cravinho disse então à Lusa que "há um bom consenso quanto à necessidade de melhorar a capacidade de coordenação das Nações Unidas", e ele próprio encorajou o director de Assuntos Políticos a trabalhar nesse sentido.
"Não houve ainda uma decisão do Conselho de Segurança mas as coisas estão muito bem encaminhadas para que haja um prolongamento por mais seis meses da actual missão, UNOGBIS, e, a partir de Janeiro, seja bastante reforçada, com capacidade para fazer a coordenação internacional que tem faltado", esclareceu Gomes Cravinho.
Pois é. Chegou Janeiro, Fevereiro e Março, mas no primeiro dia de Abril ficou a saber-se que, por muito que se diga o contrário, a Guiné-Bissau continua infelizmente a pôr, perante a passividade dessa coisa que dá pelo nome de CPLP, a razão da força acima da força da razão.
Mais do que tapar o sol com uma peneira, como faz por regra Portugal em relação à Guiné-Bissau, é preciso que se entenda que – por exemplo – realizar eleições não é só por si sinónimo de democracia. Mas isso nunca será dito por Lisboa.
Só a verdade, ou o que dela estiver mais próximo, pode ajudar a Guiné-Bissau a enfrentar os seus mais graves problemas, sejam eles relativos aos senhores (políticos e militares) do narcotráfico ou, ainda, aos que de fora e sob a capa de amigos equidistantes (caso de Angola) estão já a marcar território e a olhar não para as veias dos guineenses mas para os veios petrolíferos.
Será que, no caso da Guiné-Bissau, Portugal e a CPLP têm medo de alguma coisa? Será que acreditam que uma mentira viva é melhor do que uma verdade póstuma? Será que temem que a verdade faça implodir o país? Será que, por alguma razão, uma eventual implosão poderá atingir alguns políticos portugueses ou de outros países da CPLP?
Continuo a pensar que os guineenses preferem ser salvos pela verdade, por muito dura que ela seja, do que assassinados pela mentira, por muito adornada e celestial que ela seja.
Pena é que, num sistema lusófono em que a aparência vale muitos mais do que a realidade, se continue a instituir o primado da impunidade e da imunidade baseado na mentira oficilizado, no caso português, por João Gomes Cravinho.
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