«Canta, meu amigo, canta porque eu tenho a certeza de que só a cantar destronamos a melancolia e a tristeza.
Eu não choro, Orlando. Cansei-me de ver o cacimbo chegar à mente de tantas pessoas, que idealizávamos como boas, e sinto um profundo nojo.
Tu sabes que não se chora de nojo, vomita-se. Por isso decidi partir para longe, para muito longe daí, exactamente para aqui, junto às tuas palavras, num lugar onde posso sempre conversar contigo e com o Ernesto Lara Filho, com a Alda Lara, com o Rebelo de Andrade, com o Viriato da Cruz, o Pessoa, o Gedeão, o Camões, o José Carlos Barros e tantos outros que sobreviveram a todas as situações em que se promoveram as revoluções estáticas, (que implantaram parasitas oportunistas,) indiferentes às guerras, aos ódios, às competições.
Orlando, nesse lugar eu posso escutar e murmurar várias melodias, mesmo depois de o tempo ter-me enrouquecido a voz, do Rui Mingas, do Ngola Ritmos, do Barceló de Carvalho, o Bonga, do Elias Dia Kimuezo, do Teta Lando, do Zeca, na Grândola Vila Morena, do Fausto, o nosso conterrâneo, várias mensagens do Duo Ouro Negro, o Hino da Alegria e o Bolero de Ravel, a iniciarem-se sempre num pianinho muito vivo e a crescerem, a crescerem sempre num alegro andante para um lugar muito distante, que principia e continua sempre aqui, o meu ideal de alegria e de vida e a oferecerem-me tantas memórias bonitas, que ambos guardamos, daquele tempo que não é ultrapassável pelo tempo, e não se negoceia com os vendilhões nos templos, sempre, sempre a desafiar-me a ver muito mais do que tudo o que já vi.
Sabes, Orlando?! eu nasci aí e só por isso nunca envelheci, porque nunca emigrei desse lugar, aqui.
Eu confiei a minha liberdade à minha alma grande, sempre pequena neste meu desejo de ser simples e crescer sempre e ser cada vez mais autêntico.
Autêntico!, Orlando.
Não como aquele “cantor de intervenção” que vi na televisão a prestar vassalagem ao Governador Geral. (Eu não chamo presidente a alguém que rouba a sua própria gente e afirma ser defensor do desenvolvimento pioneiro, com exageradas contas bancarias blindadas no estrangeiro.)
Sabes, Orlando?, eu sou assim feliz porque tenho as mãos e os bolsos brancos, vazios de trintadinheiros, e nunca vivi no estrangeiro.
Orlando, quando quiseres vir-me visitar, tu sabes onde poderás encontrar-me.
Só te quero recordar a minha morada porque a fluência do trânsito parece andar demasiado engarrafada: eu moro no cruzamento onde desagua a Rua da Fraternidade, que se prolonga na Avenida da Igualdade, ambas fazendo ligação com a travessa da Amizade e a Auto-estrada da Dignidade.
Quando quiseres aparecer, não é necessário avisar, basta bateres à minha porta, decorada de transparências pintadas com a luz do sol e do luar.
Não venhas cansado de urgências porque elas provocam desistências.
Aparece, rapaz, não é preciso avisar, só é necessário chegar.»
José Filipe Rodrigues
Nota: Estou a caminho, meu Velho. Há muito que meti os pés na picada...
1 comentário:
O Ernesto Lara Filho, com quem travei milhentas conversas em Nova Lisboa, umas na Livraria Académica, quase sempre o ponto de encontro, outras...
Falava-me sempre da Alda... a poetisa...
Ainda guardo crónicas do Ernesto, o "Siripipi Angolano", publicadas no "Notícia". Únicas!
O Elias Diá Kimuezo, meu grande amigo.E tantos...
Ai que saudades!!!
Enviar um comentário