O presidente da Comissão da União Africana (UA), Jean Ping (foto), defendeu hoje em Luanda que os processos democráticos em África não podem ser do “género Nescafé”, em que basta “juntar água e mexer”.
Nem mais. O problema está que, por obra e graça de muitos ditadores africanos e uns tantos autocratas ocidentais, esse é um método que é comum quando se trata de chegar ao poder.
Jean Ping, que falava na sessão de abertura do colóquio sobre “Paz, Reconciliação e Reconstrução do Continente Africano”, para assinalar o dia de África, referia-se especificamente ao modelo que os EUA defendem.
“Os processos democráticos não podem ser encarados como o fazem os americanos que entendem que África devia ter a possibilidade de gerar democracias do género Nescafé”, que basta “juntar água e mexer” para se ter uma democracia e um Estado de direito, disse.
É verdade. Mas também os europeus pensam da mesma maneira, tal como entendem que em África basta votar para se ter uma democracia, mesmo quando os eleitores votam de barriga vazia.
O presidente da Comissão Executiva da UA recordou ainda que na década de 1980 existiam mais de uma dezena de conflitos violentos no continente mas que hoje estão resumidos a duas “grandes preocupações”, o caso do Darfur, no Sudão, e a Somália.
Jean Ping estará, apesar das boas ideias, a utilizar um raciocínio também ele tipo Nescafé. Junta água a meia dúzia de estatísticas oficiais e resume o perigo a três palcos de guerra.
E não é assim. Em todos os países em que se votou apenas para calar a comunidade internacional, apenas para legitimar os poderes existentes, os conflitos estão e estarão latentes, bastando um fósforo para pôr as Kalashnikov a dizerem de sua justiça.
A este propósito, e tendo como referência o potencial de geração de conflitos, Jean Ping recordou que África é o único continente livre de armas nucleares mas é, ao mesmo tempo, aquele onde “as armas ligeiras geram maiores inquietações”.
Não sei se é tão líquido assim que África não tenha em alguma recôndita esquina armas nucleares. De qualquer modo, são as convencionais que mais preocupam porque, seja ou não ao estilo Nescafé, muitos governos esquecem-se que eleições com o povo a morrer à fome são tudo menos democracia. Esquecem-se eles e os que lá vão buscar as riquezas.
Por seu lado, o ministro da Relações Exteriores de Angola, Assunção dos Anjos, anfitrião do encontro, afirmou que se tem verificado “uma redução em número e intensidade” dos conflitos em África, facto que impele a organização continental, a “reforçar e aprofundar” essa tendência, através do diálogo.
Quem melhor do que Angola, país que têm um dos mais fortes exércitos de África, para falar de diálogo? Aliás, Luanda domina as regras bélicas e aposta no diálogo, até mesmo a nível interno, desde que seja ela a estabelecer as regras do jogo.
“Reconhecemos que ainda há muito que fazer até erradicarmos definitivamente estes males que tantos danos têm causado aos povos do nosso continente”, disse Assunção dos Anjos, certamente cogitando no muito que Angola já poderia ter feito.
A paz, segurança e estabilidade são apontadas como as principais condições para a “consolidação das premissas indispensáveis ao desenvolvimento económico, social, técnico-científico e cultural” para a integração económica e política do continente africano, que ocupa na hierarquia mundial uma posição “quase marginal”.
De acordo com Assunção dos Anjos, o governo angolano reconhece que é necessário ser reforçada a capacidade da Comissão Africana, em meios materiais, humanos e financeiros, sem transformá-la numa autoridade supranacional.
Veja-se que enquanto o líder líbio e actual presidente da UA, Muammar Kadhafi, que era esperado no encontro de Luanda mas não compareceu, defende a criação dos Estados Unidos de África, Angola pensa de forma claramente diferente.
1 comentário:
ao contrário do que foi dito e escrito nunca esteve prevista a presença de Kadafi. Fizeram confusão com a presença do Presidente da Comissão.
Abraços a partir de Luanda
Eugénio
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