quarta-feira, agosto 06, 2008

Operários montadores de peças escritas
(homenagem aos bravos da Coelho Neto)

Os jornais (é claro que também as rádios e as televisões) não são um produto feito à medida dos jornalistas e/ou dos consumidores mas, isso sim, dos empresários. São, cada vez mais, um negócio ou, melhor, uma forma de comércio. São apenas mais um produto em que os seus fazedores (na circunstância catalogados de jornalistas) são escolhidos à e por medida.

Esta é uma realidade que interessa aos empresários (mais a uns do que a outros) e, é claro, aos governos (mais a uns do que a outros). O escândalo do jornal “O Primeiro de Janeiro” é o mais recente exemplo, mas outros houve e outros haverá.

Sendo escolhidos à e por medida, têm de obedecer às regras da oferta e da procura. Mais do que informar, mais do que formar, têm de vender. Vender, vender sempre mais. E quem sabe o que fazer para melhor vender não são, na maioria dos casos, os jornalistas.

Os jornalistas são os montadores que, de acordo com o mercado, alinham as peças de um crime, de um comício, de um atentado ou de um buraco na rua. Se o que vende é dar uma ajuda ao partido do Governo para que este ganhe as próximas eleições, são essas as peças que têm de montar, nada contando a teoria da isenção que é tão do nosso teórico agrado.

Se o que vende é divulgar as supostas boas acções do PS, do PSD ou do MPLA, são essas as peças que têm de montar, passando por cima do facto de esses partidos serem responsáveis por todas as nossas desgraças.

Se o que vende é dar cobertura às ditaduras (sejam as de Robert Mugabe, Hugo Chávez ou José Eduardo dos Santos), são essas peças que têm de montar, calibrando-as da forma a parecerem dos melhores exemplos democráticos.

Pouco importa tudo o resto.

Assim sendo, as linhas de montagem (veja-se o exemplo de “O Primeiro de Janeiro”) não precisam de jornalistas 24 horas por dia, basta-lhes as sete horas. E aos jornalistas basta-lhes, ao que parece, uns tantos euros por mês...

Tudo o resto são cantigas, tenha a classe uma Ordem ou apenas, como agora, um Sindicato, uma Caixa dos Jornalistas, uma Entidade Reguladora, um ministro tutelar chamado Augusto Santos Silva, ou coisa nenhuma...

Nota:
Este texto nada mais pretende ser do que uma humilde “homenagem aos Bravos da Coelho Neto”, como titula a mais vertical das “mentes despenteadas” onde, aliás, afanei esta e outras fotos.

Para quem não sabe, a Coelho Neto é a rua onde, no Porto, funcionou a Redacção de “O Primeiro de Janeiro”. Também por lá andei.

1 comentário:

Carla Teixeira disse...

E prontos, salta uma gaja da horizontalidade do descanso para a verticalidade que o dia nos impõe, e dá de caras com este texto que tão bem define o que tem sido o Jornalismo em Portugal, finalizado com um toque, tão cavalheiro, de elogiosa referência à minha mente, tão despenteada como a bela da cabeleira que a esconde dos mais desatentos. É sempre um prazer ler Orlando Castro. Quase tão grande como o orgulho de ser citada por Orlando Castro, ainda por cima em tom tão positivo. Acordar assim faz-me bem! Ehehe! Beijinhos, querido colega. Houvesse mais jornalistas a 24 horas por dia, e o mundo podia ser um sítio giro. Obrigada por tudo.