A reinserção social dos ex-militares, especificamente da UNITA, acordada com o governo do MPLA nas negociações que tiveram lugar para por cobro à guerra, “continua lenta”, afirmou hoje Alcides Sakala, acrescentando que isso “deixa em situação de miséria essas pessoas”.
“São situações que podem transformar-se em problemas de conflito social graves”, frisou o porta-voz da UNITA quando fazia o balanço do périplo nacional realizado pelo líder do partido, Isaías Samakuva.
A UNITA continua a chorar sobre o leite derramado. Não basta, aliás, ir muito longe para ver que quem faz acordos com a onça acaba por ser comido.
Na altura do Natal do ano passado, e de acordo com dados oficiais do regime do MPLA, 15 196 ex-militares iriam beneficiar (o que é obra!) em 2010, de charruas, carroças, sementes agrícolas diversas e fertilizantes, para o reforço da capacidade de produção agro-pecuária nas comunidades rurais dos 11 municípios da província do Huambo.
A entrega destes instrumentos de trabalho enquadrava-se na implementação do programa do governo de reforço à reintegração dos ex-militares, lançado no dia 21 de de Dezembro de 2009 na comuna de Tchipipa (Huambo).
Presumindo que tamanha generosidade do MPLA (partido no poder em Angola desde 1975) também abarcaria ex-militares da UNITA, atrevi-me na altura a perguntar: Terá valido a pena ser militar da UNITA? Terá sido para isto que o mais Velho tanto lutou?
As perguntas são minhas embora julgue serem comuns a muitos desses soldados.
Terá sido para isto que tantas vezes, em Umbundu (mas não só) Jonas Savimbi dizia «ise okufa, etombo livala»? (em português, prefiro antes a morte, do que a escravatura).
Num cenário em que os poucos que têm milhões (quase todos do MPLA mas onde aparecem também alguns da UNITA) continuam a ter cada vez mais milhões e em que, no mesmo país, muitos milhões não têm sequer o que comer, não me custa a crer que a linguagem das armas volte a ser equacionada.
Mal por mal, antes a morte do que a escravatura. E se antes foi o tempo dos contratados e de os escravos ovimbundus ou bailundos irem para as roças do Norte, agora é o enxovalho para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilares”
«Sekulu wafa, kalye wendi k'ondalatu! v'ukanoli o café k'imbo lyamale!»: Morreu o mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados, ou ser escravos na terra que ajudaram a, supostamente, libertar.
E não vale a pena pensar que os alertas lançados ao mundo vão ter algum resultado prático. Isto porque é muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.
Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Não creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 31 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala ou de ter um acidente.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qulquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois... com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 31 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio.
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