quinta-feira, abril 17, 2008

ONU: "há violação dos direitos humanos"
- Donos de Angola teimam no contrário

Cabinda continua a ser palco de "violações dos direitos humanos" pelas forças de segurança angolanas, nomeadamente contra responsáveis da Igreja cabindense, segundo um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

A relatora especial Asma Jahangir refere no documento, apresentado ao Conselho em Março, ter recebido "um número significativo de relatos de violência, intimidação, assédio e detenções por agentes do Estado de indivíduos alegadamente envolvidos na disputa da liderança da Igreja Católica em Cabinda".

Segundo a Frente para a Libertação de Cabinda (FLEC) foi este relatório que levou a que as autoridades angolanas decretassem o encerramento, até 31 de Maio, do Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Angola, o que Luanda rejeita.

A FLEC, pela voz do seu secretário-geral, Joel Batinda, afirma ter participado na sessão do Conselho que decorreu entre 18 e 28 de Março em Genebra, e que paralelamente manteve três encontros de trabalho com representantes do Alto Comissários para os Refugiados (ACNUR), António Guterres, além de representantes do Governo angolano. No relatório, elaborado depois de uma visita a Angola no início do ano e divulgado em Genebra, Jahangir afirma que "em Cabinda, as violações de direitos humanos pelas forças de segurança continuam".

"Em Cabinda, as autoridades sufocaram as expressões de divergência por parte da sociedade civil, continua a existir um conflito dentro da Igreja Católica" que "deu lugar a actos de violência, intimidação, instigação e detenções pelas forças de segurança contra as pessoas que se opõem à nomeação do Bispo de Cabinda [Filomeno Vieira Dias], que considera vinculado ao governo do MPLA", afirma.

Nomeado pelo Papa João Paulo II, o bispo Vieira Dias está à frente da Igreja de Cabinda desde Junho de 2006, tendo sucedido a D. Paulino Madeka, que se reformou e recentemente faleceu.

A 14 de Maio de 2006, foi celebrada uma missa para "reunificar" a Igreja no enclave, que ficou praticamente sem assistência, desencadeando uma onda de espancamentos e detenções, segundo relatos reproduzidos no relatório.

É também mencionada a detenção de Fernando Lelo, ex-jornalista da Voz da América, quando fotografava os espancamentos protagonizados por polícias.

Lelo esteve detido em Luanda e recentemente foi transferido para o enclave. O julgamento está previsto para Maio. O arguido responde pelas acusações de instigação à rebelião e crime contra a segurança do Estado.

Cerca de duas dezenas de pessoas que se opunham à nomeação do bispo foram detidas em duas vagas - Julho 2005 a Janeiro de 2006 e 17 a 18 de Outubro de 2006 - e em intervenções pontuais das forças de segurança, é ainda referido.

Posteriormente, adianta o relatório da ONU, "uma multidão descontente juntou-se no palácio do bispo em protesto contra as detenções, em Outubro de 2006, e contra a suspensão de sete padres. Em capelas onde o movimento se reunia foi assinalada presença policial. A 15 de Outubro, as forças de segurança cercaram a capela de Santiago. Além disso, alguns indivíduos foram mantidos em prisão domiciliária quando o Presidente de Angola visitou Cabinda".

O relatório refere-se ainda ao caso do padre Congo, proibido de rezar missa depois de acusado de envolvimento num ataque em Julho de 2005 ao administrador apostólico Eugenio dal Corso, e outros casos mais recentes, como a detenção de quatro homens em Julho de 2007 durante um protesto católico contra a nomeação de Vieira Dias.

"Também foram denunciados actos e ameaças de violência contra os dirigentes da Igreja Católica em Cabinda", afirma Asma Jahangir.


Entre estes estão o referido ataque ao administrador apostólico e ameaças de morte ao bispo de Cabinda, além de actos de vandalismo contra representantes da Igreja e insultos contra padres durante celebrações religiosas.

"Mais genericamente, os fiéis e outros residentes de Cabinda" com quem Jahangir contactou "deram testemunhos de violações de direitos humanos cometidos pelos militares no interior da província" e "houve relatos em primeira-mão de violações, detenções arbitrárias e assassínos extrajudiciais alegadamente cometidos por membros das forças de segurança".

O relatório nota que apesar de uma luta armada "de baixa intensidade" no norte do enclave, a província permanece "fortemente militarizada".

O relatório apela ao Governo de Luanda e partes envolvidas para que encetem "diálogo intra-religioso", por forma a que no território seja "respeitada a legislação internacional de direitos humanos, em particular o direito à liberdade de religião e crença, mas também outros direitos correlacionados e interdependentes, como a liberdade de expressão, associação, reunião, liberdade e segurança".

Luanda nega que a divulgação do relatório esteja relacionado com a decisão, em Março, de encerrar o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Luanda.

O chefe da missão de Angola nas Nações Unidas, Arcanjo do Nascimento, justificou que "juridicamente" este escritório nunca existiu já que se trata de "um resíduo" da antiga secção dos Direitos Humanos da Missão de Observação de Paz da ONU em Angola (MONUA).

"Juridicamente não existe, nem nunca existiu uma entidade chamada Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos", disse Arcanjo do Nascimento à Rádio Nacional de Angola a partir de Genebra.

Entretanto, a Amnistia Internacional de Portugal recebeu hoje, em Lisboa, queixas individuais de vários angolanos em Cabinda, as quais serão investigadas por esta organização, disse hoje à Lusa a sua directora, Cláudia Pebra.

O presidente da Comissão de Apoio e Auxílio aos Refugiados de Cabinda (CAARC) e também secretário-geral da FLEC, Joel Batila, foi o portador das queixas hoje entregues nos escritórios da Amnistia Internacional, em Lisboa.

"Recebemos queixas individuais de várias pessoas de Cabinda, como temos recebido de outras partes do mundo, e agora vamos fazer a nossa investigação para sabermos, primeiro, se a Amnistia vai poder tratar destes casos", explicou Cláudia Pebra.

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