Se Angola é o MPLA, se o MPLA é Eduardo dos Santos,
Portugal é cada vez mais um protectorado, ou coutada, de Isabel dos Santos.
A empresária angolana Isabel dos Santos, filha do
presidente de Angola (há 32 anos no poder sem nunca ter sido eleito), passou a
deter quase 15% do capital da Zon Multimédia, depois de ter comprado mais quase
5% do capital social da empresa, de que passa a ser a maior accionista.
E se em Angola ser filha de quem é representa só por
si a maior e única autoridade do país, nas terras lusas tudo caminha na mesma
direcção.
Angola é um dos países lusófonos com a maior taxa de
mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações
Unidas.
Mas o que é que isso importa? Importante é saber de
facto que a filha do presidente soma e segue, mesmo quando se sabe que o regime
é um dos mais corruptos do mundo. Ou será por isso mesmo?
Aliás, muitos dos angolanos (70% da população vive na
miséria) que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente
alimentar-se com o facto de a filha do presidente vitalício ser também dona dos
antigos colonizadores.
O investimento público e o aumento da produção de
petróleo (mesmo que roubado na colónia de Cabinda) vai permitir a Angola, ou
seja ao regime, ou seja ao clã Eduardo dos Santos, crescer mais de 8% este ano.
Os pobres também vão aumentar, mas esses não contam
para a análise do Banco Mundial nem para as estatísticas dos países que têm
relações com Angola. O que conta é, agora e sempre, que Angola, o segundo maior
produtor petrolífero da África subsaariana, vai este ano crescer a um bom
rítmo.
Tudo, é claro, graças ao ouro negro. De facto, o
petróleo representa mais de 50% do Produto Interno Bruto de Angola, 80% das
receitas estatais e mais de 90% das exportações.
O mesmo mundo que derrubou Muammar Kadhafi sabe, e
sabe há muito tempo, que o
presidente angolano está há 32 anos no poder sem ter sido eleito, mas isso
pouco ou nada importa… pelo menos por enquanto.
É claro que, segundo a bitola gerada pelo Ocidente, há
bons e maus ditadores. Muammar Kadhafi passou a ser mau e Eduardo dos Santos
continua a ser bom. Amanhã se verá.
Portugal continua de cócoras perante o regime de
Luanda, tal como estava em relação a Muammar Kadhafi que, citando José
Sócrates, era “um líder carismático”. Talvez um dia chegue à conclusão que,
afinal, Eduardo dos Santos também é um ditador. Não sei, contudo, se alguma vez
o vai dizer. Tudo porque, de dia para dia, o clã do presidente angolano
torna-se dono das ocidentais praias lusitanas.
Alguém ainda se recorda, por exemplo, que em Março de
2009, no Palácio de Belém, só dois jornalistas de cada país tiveram direito a
colocar perguntas a Cavaco Silva e a Eduardo dos Santos?
Recordam-se que um deles, certamente no cumprimento da
sua profissão mas, é claro, à revelia das regras dos donos dos jornalistas e
dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco Silva sobre esse
eufemismo a que se chama democracia em Angola?
Recordam-se que Cavaco Silva se limitou a... não
responder?
Recordam-se que no dia 3 de Setembro de 2008,
quando o mesmo
Cavaco Silva falava na Polónia a propósito das eleições em Angola, disse o
óbvio (uma das suas especialidades): “Desejo que as eleições ocorram com toda a
paz, sem qualquer perturbação, justas e livres como costumam dizer as Nações
Unidas nos processos eleitorais"?
Recordam-se que, nessa altura, como sempre, Cavaco
Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de comunicação social
portuguesa - SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido impedidos de entrar em
Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos justas e livres?
Afinal, hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido,
continua a pensar da mesma forma que José Sócrates, Passos Coelho ou Paulo
Portas, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 70% dos angolanos na
miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia o Rafael
Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm
interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos
humanitários.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos, os
empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, excepções)
fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o
que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no
poder desde 1975.
Alguém, pergunto eu, ouviu Cavaco Silva recordar que
70% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade
infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000
crianças? Não, ninguém pergunta até porque ele não responde.
Alguém o ouviu recordar que apenas 38% da
população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém o ouviu recordar que apenas um quarto da
população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos
casos, são de fraca qualidade?
Alguém o ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos
centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam
problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de
medicamentos?
Alguém o ouviu recordar que a taxa de analfabetos é
bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo
grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de
ensino?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 45% das crianças
angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%)
morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que a dependência
sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA
para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 80% do Produto
Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza
nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de
0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem
na sua colónia de Cabinda?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que o acesso à boa
educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras,
aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um
grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos
aqueles que existem para se servir e não para servir. E esse silêncio dará,
obviamente, direito a ser convidado para passar férias na casa flutuante de
Isabel dos Santos, a filha do presidente.
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