No putrefacto caso Público/Relvas sabe-se que o ministro
ameaçou revelar na internet que a “autora da notícia vive com um homem de um
partido da oposição”. Se ao menos fosse com uma mulher…
Em Agosto do ano passado, Miguel Relvas dizia que até ao
final de Outubro, o Governo disporia de um novo modelo de serviço público no
sector da comunicação social. Não era feita, contudo, nenhuma referência aos
casos de jornalistas a viver com gente da Oposição. Se fosse hoje… seria
diferente!
Pelos vistos, na óptica do ministro e dos seus assessores,
o serviço público não servia para o público. O privado também não, sabe-se
agora. Ou, melhor. Serviço para o público que eles querem formatar, apostando
em colunas vertebrais amovíveis.
"O país tem de agir com rapidez. Não temos tempo a
perder”, disse Miguel Relvas. “O país precisa de reformas, as reformas têm de
ser feitas. Estamos a pedir sacrifícios aos portugueses e os sacrifícios têm de
valer a pena. E esses exemplos terão que ser dados na eficiência da
gestão", acrescentou no final de uma visita à agência Lusa, empresa onde o
Estado detém uma participação de 50,1 por cento.
"Temos de lutar contra o tempo em todas as áreas.
Mesmo os diagnósticos têm de ser feitos com rapidez", disse Miguel Relvas.
Rapidez? Percebo. Tipo uma rapidinha dos ou das jornalistas com os ou as membros
da oposição.
Tal como deve ter estado (isto é “jornalismo
interpretativo”) com Fernando Lima - o assessor de Cavaco Silva que quer
domesticar os jornalistas - Miguel Relvas também aprendeu algumas coisas com
Afonso Camões, ex-administrador da Controlinveste e actual presidente da Lusa.
É um pouco à semelhança do que, na Lusa, fizeram à
jornalista Sofia Branco, que foi demitida por “quebra de confiança” da então
direcção de Informação.
Este caso remonta a 18 de Fevereiro de 2011 quando Sofia
Branco recusou escrever, ou editar, uma notícia sobre a reacção do então primeiro-ministro
às declarações do presidente do grupo Jerónimo Martins.
E o que é que se passou?
“Um assessor de José Sócrates contactou uma jornalista da
agência, atribuindo ao primeiro-ministro a declaração "não basta ser rico
para ser bem educado", uma frase que Sócrates só diria no dia seguinte a
vários jornalistas…
Recordam-se, por exemplo, que quando foi falar à Comissão
de Ética, Sociedade e Cultura do Parlamento português, a propósito do
encerramento das delegações da Lusa, Afonso Camões foi taxativo ao afirmar:
"Não fechámos, mas vamos fechar. É assim que eu quero e é assim que vai
ser".
É por estas e por outras que, no reino lusitano, a
liberdade de imprensa está em vias de extinção (eu sei que sou optimista).
Se os donos dos meios de comunicação, se os donos dos
donos, assim querem “é assim que está a ser, é assim que vai continuar a ser”.
Nem que pelo meio tenham de contar quem anda a comer quem, quem anda a ser
comido por quem.
Para além da minha débil experiência profissional (só ando
nisto do jornalismo há trinta e tal anos), faço contas aos jornalistas
desempregados, aos que mudaram de profissão, aos que estando no activo estão na
prateleira, aos que tendo emprego estão desempregados, aos que adoptaram uma
coluna vertebral amovível, aos que se filiaram no partido para garantir o
emprego, aos que em vez de erectos andam de cócoras, aos que por um prato de
lentilhas dizem ámen a tudo, aos que aceitam ser comidos.
E como em qualquer democracia, em qualquer Estado de Direito,
se o presidente de uma empresa pública pode sempre dizer “é assim que eu quero
e é assim que vai ser", porque carga de chuva um ministro (que ainda por
cima, segundo presidente da ERC, usa uma gravata bonita) não pode também dizer “é
assim que eu quero e é assim que vai ser"?
Aliás, não é exactamente isso que dizia o anterior primeiro-ministro do Burkina Faso, perdão, de
Portugal? Não é isso que diz o actual líder do Governo? É isso, sem tirar nem
pôr. Quando um país tem o raro privilégio de ter super-cidadãos num executivo
que é dono da verdade, a única solução é comer (ou ser comido) e calar.
É assim que eles querem, é assim que foi e é assim que
será.
Nunca como agora
ser imbecil e criminoso é condição sine qua non para ser “jornalista” mas,
sobretudo, para ser director e até administrador. Isto já para não falar em ser
deputado, assessor, especialista ou membro do Governo.
Por alguma razão, quando em 2004 chegou à liderança do PS,
José Sócrates jurou a pés juntos que a liberdade de imprensa era para si
sagrada... Por alguma razão Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas e companhia
juraram a mesma coisa. Chegados lá, a regra passa a ser: “é assim que eu quero
e é assim que vai ser".
E não faltam seguidores. Segundo a organização internacional
não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que claramente nada percebe
da poda, a liberdade de imprensa em Portugal diminuiu, registando uma queda do
16º para o 30º lugar na lista dos países que mais respeitam o trabalho dos
jornalistas.
Por outras palavras, o poder quer que os jornalistas
perguntem não o que o Estado/país/bordel pode fazer por eles, mas sim o que
eles podem fazer pelo bordel/país/Estado. E quando o governo os manda deitar…
E o que melhor podem fazer é aceitar que para serem um dia
directores ou administradores de um jornal têm de ser criados do poder.
“E não há dúvida nenhuma de que, aconteça o que acontecer,
a imprensa, uma imprensa livre, continuará a ser um dos grandes pilares da
democracia”, disse em tempos María
Teresa Fernández de la Veja.
Se uma imprensa livre é um dos grandes pilares da
democracia, a dita está, no reino lusitano, coxa. Muito coxa. Até porque não
basta dizer que existe democracia porque “é assim que eu quero e é assim que
vai ser".
A ser verdade, mesmo não dizendo “é assim que eu quero e é
assim que vai ser", que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da
democracia, que regime é este que Portugal vive?
Em Portugal, é não só legal como nobre o facto de o
servilismo ser regra para bons empregos, garantindo que esses servos vão estar
depois a assessorar o partido, ministros empresas ou políticos.
Sempre, é claro, levando em conta que uma imprensa livre é
um dos grandes pilares da democracia. E quando alguém contesta, está sujeito a
ouvir, com todo o espírito democrático: “É assim que eu quero e é assim que vai
ser".
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