sexta-feira, maio 25, 2012

Todos a monte e fé em Miguel Relvas


No putrefacto caso Público/Relvas sabe-se que o ministro ameaçou revelar na internet que a “autora da notícia vive com um homem de um partido da oposição”. Se ao menos fosse com uma mulher…

Em Agosto do ano passado, Miguel Relvas dizia que até ao final de Outubro, o Governo disporia de um novo modelo de serviço público no sector da comunicação social. Não era feita, contudo, nenhuma referência aos casos de jornalistas a viver com gente da Oposição. Se fosse hoje… seria diferente!

Pelos vistos, na óptica do ministro e dos seus assessores, o serviço público não servia para o público. O privado também não, sabe-se agora. Ou, melhor. Serviço para o público que eles querem formatar, apostando em colunas vertebrais amovíveis.

"O país tem de agir com rapidez. Não temos tempo a perder”, disse Miguel Relvas. “O país precisa de reformas, as reformas têm de ser feitas. Estamos a pedir sacrifícios aos portugueses e os sacrifícios têm de valer a pena. E esses exemplos terão que ser dados na eficiência da gestão", acrescentou no final de uma visita à agência Lusa, empresa onde o Estado detém uma participação de 50,1 por cento.

"Temos de lutar contra o tempo em todas as áreas. Mesmo os diagnósticos têm de ser feitos com rapidez", disse Miguel Relvas. Rapidez? Percebo. Tipo uma rapidinha dos ou das jornalistas com os ou as membros da oposição.

Tal como deve ter estado (isto é “jornalismo interpretativo”) com Fernando Lima - o assessor de Cavaco Silva que quer domesticar os jornalistas - Miguel Relvas também aprendeu algumas coisas com Afonso Camões, ex-administrador da Controlinveste e actual presidente da Lusa.

É um pouco à semelhança do que, na Lusa, fizeram à jornalista Sofia Branco, que foi demitida por “quebra de confiança” da então direcção de Informação.

Este caso remonta a 18 de Fevereiro de 2011 quando Sofia Branco recusou escrever, ou editar, uma notícia sobre a reacção do então primeiro-ministro às declarações do presidente do grupo Jerónimo Martins.

E o que é que se passou?

“Um assessor de José Sócrates contactou uma jornalista da agência, atribuindo ao primeiro-ministro a declaração "não basta ser rico para ser bem educado", uma frase que Sócrates só diria no dia seguinte a vários jornalistas…

Recordam-se, por exemplo, que quando foi falar à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura do Parlamento português, a propósito do encerramento das delegações da Lusa, Afonso Camões foi taxativo ao afirmar: "Não fechámos, mas vamos fechar. É assim que eu quero e é assim que vai ser".

É por estas e por outras que, no reino lusitano, a liberdade de imprensa está em vias de extinção (eu sei que sou optimista).

Se os donos dos meios de comunicação, se os donos dos donos, assim querem “é assim que está a ser, é assim que vai continuar a ser”. Nem que pelo meio tenham de contar quem anda a comer quem, quem anda a ser comido por quem.

Para além da minha débil experiência profissional (só ando nisto do jornalismo há trinta e tal anos), faço contas aos jornalistas desempregados, aos que mudaram de profissão, aos que estando no activo estão na prateleira, aos que tendo emprego estão desempregados, aos que adoptaram uma coluna vertebral amovível, aos que se filiaram no partido para garantir o emprego, aos que em vez de erectos andam de cócoras, aos que por um prato de lentilhas dizem ámen a tudo, aos que aceitam ser comidos.

E como em qualquer democracia, em qualquer Estado de Direito, se o presidente de uma empresa pública pode sempre dizer “é assim que eu quero e é assim que vai ser", porque carga de chuva um ministro (que ainda por cima, segundo presidente da ERC, usa uma gravata bonita) não pode também dizer “é assim que eu quero e é assim que vai ser"?

Aliás, não é exactamente isso que dizia o anterior  primeiro-ministro do Burkina Faso, perdão, de Portugal? Não é isso que diz o actual líder do Governo? É isso, sem tirar nem pôr. Quando um país tem o raro privilégio de ter super-cidadãos num executivo que é dono da verdade, a única solução é comer (ou ser comido) e calar.

É assim que eles querem, é assim que foi e é assim que será.

Nunca  como agora ser imbecil e criminoso é condição sine qua non para ser “jornalista” mas, sobretudo, para ser director e até administrador. Isto já para não falar em ser deputado, assessor, especialista ou membro do Governo.

Por alguma razão, quando em 2004 chegou à liderança do PS, José Sócrates jurou a pés juntos que a liberdade de imprensa era para si sagrada... Por alguma razão Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas e companhia juraram a mesma coisa. Chegados lá, a regra passa a ser: “é assim que eu quero e é assim que vai ser".

E não faltam seguidores. Segundo a organização internacional não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que claramente nada percebe da poda, a liberdade de imprensa em Portugal diminuiu, registando uma queda do 16º para o 30º lugar na lista dos países que mais respeitam o trabalho dos jornalistas.

Por outras palavras, o poder quer que os jornalistas perguntem não o que o Estado/país/bordel pode fazer por eles, mas sim o que eles podem fazer pelo bordel/país/Estado. E quando o governo os manda deitar…

E o que melhor podem fazer é aceitar que para serem um dia directores ou administradores de um jornal têm de ser criados do poder.

“E não há dúvida nenhuma de que, aconteça o que acontecer, a imprensa, uma imprensa livre, continuará a ser um dos grandes pilares da democracia”, disse em tempos  María Teresa Fernández de la Veja.

Se uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia, a dita está, no reino lusitano, coxa. Muito coxa. Até porque não basta dizer que existe democracia porque “é assim que eu quero e é assim que vai ser".

A ser verdade, mesmo não dizendo “é assim que eu quero e é assim que vai ser", que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia, que regime é este que Portugal vive?

Em Portugal, é não só legal como nobre o facto de o servilismo ser regra para bons empregos, garantindo que esses servos vão estar depois a assessorar o partido, ministros empresas ou políticos.

Sempre, é claro, levando em conta que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia. E quando alguém contesta, está sujeito a ouvir, com todo o espírito democrático: “É assim que eu quero e é assim que vai ser".

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