Enquanto
existir carne negra para morrer e riquezas para roubar, os países ditos
civilizados lá estarão prontos para vender arsenais em nome da… justiça.
O antigo
Presidente da Libéria, Charles Taylor, foi hoje condenado a 50 anos de prisão
pelo Tribunal especial das Nações Unidas para a Serra Leoa, pelos crimes
cometidos na guerra civil de 1991-2002, descritos pelo juiz na leitura da
sentença como “os mais abomináveis” na história da humanidade.
Taylor, que
insiste estar inocente, fora dado como culpado no mês passado, numa decisão
judicial histórica, em 11 acusações de uma série de crimes de guerra – de
violações a assassínios ao uso de soldados crianças – devido ao apoio que deu
aos rebeldes da Frente Revolucionária na Serra Leoa durante a guerra civil em
que morreram dezenas de milhares de pessoas.
É o primeiro
antigo chefe de Estado a ser condenado por crimes de guerra num tribunal
internacional desde os julgamentos de Nuremberga, no pós II Guerra Mundial.
Os
procuradores pediam uma sentença de 80 anos de prisão, que reflectisse “a
gravidade dos crimes” cometidos e o “papel principal” que Taylor teve,
argumentando ainda que a idade e débil estado de saúde do arguido não deveriam
ser considerados como factores na tomada de decisão da sentença por parte dos
juízes.
A defesa
argumentou por seu lado que aquele termo de prisão era “manifestamente
desproporcionado e excessivo” e que o tribunal concluíra apenas na culpa do
ex-Presidente num “papel indirecto”, o de ajudar os rebeldes e não na sua
liderança.
Os
observadores têm como muito provável que Taylor recorra desta sentença, dando
azo a um processo que pode durar até seis meses. Caso a sentença emitida pelo Tribunal
Penal Internacional (TPI) em Haia seja confirmada, o ex-Presidente liberiano
deverá cumprir a pena no Reino Unido – a condição posta pelo Governo holandês
para que Taylor fosse julgado neste país e não na Serra Leoa, onde se temia que
um tal julgamento desestabilizasse a região.
Segundo
dados do Instituto de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri), o comércio
internacional de armas aumentou 24% nos últimos cinco anos. Pois é. O TPI julga
(alguns) criminosos de guerra que, embora não sendo fabricantes de armas, lhe
dão o uso para que elas foram feitas.
E se os
maiores exportadores mundiais são os EUA, a Rússia, a Alemanha, a França e
Grã-Bretanha, não deveriam estes países serem igualmente julgados pelo TPI?
De acordo
com o levantamento, o comércio de armas aumentou 24% entre 2007 e 2011,
sobretudo devido à crescente militarização dos países asiáticos.
A Índia
tornou-se o maior importador de armas do mundo (representa 10% do comércio
mundial), seguida de Coreia do Sul, Paquistão, China e Singapura.
Segundo os
autores do estudo, a Índia ultrapassou a China como maior comprador graças em
grande parte ao facto de a indústria bélica chinesa ter crescido muito nos
últimos cinco anos.
Um outro
estudo divulgado por um centro de estudos de Londres indicava que os gastos
militares asiáticos superarão os europeus pela primeira vez em 2012.
Stephanie
Blencker, da Sipri, afirmou que a China está prestes a integrar o grupo dos
cinco maiores vendedores de armas do mundo, sobretudo devido às suas vendas ao
Paquistão.
Por outro
lado, o coronel Theoneste Bagosora, acusado de ser o "cérebro" do genocídio
ruandês de 1994, que causou mais de 800.000 mortos, foi condenado no dia 18 de
Dezembro de 2008 a prisão perpétua pelo TPI para o Ruanda.
Acho muito
bem, apesar de a justiça teimar (quando teima, e teima poucas vezes) em actuar
à posteriori e não como meio profiláctico. É que, digo eu, para os milhares de
mortos já nada adianta a prisão de Theoneste Bagosora ou de Charles Taylor.
Nenhum destes
(e de muitos outros) criminosos fabrica armas. Elas vão lá parar, a troco de
petróleo ou de diamantes, enviadas pelo Ocidente que é onde elas se fabricam.
Aliás, se Omar al-Bashir ou Thomas Lubanga, por exemplo, não existissem teriam
de ser fabricados para que a indústria de armamento, que não é africana,
pudesse continuar a ter lucros fabulosos.
O TPI
considerou que Theoneste Bagosora foi o principal instigador do genocídio
ruandês que, em 100 dias, vitimou mais de 800.000 pessoas. E, enquanto o TPI se
entretém a fazer esta justiça (sem dúvida importante), outros genocídios
continuam a acontecer, sem que se tomem medidas profilácticas.
Por cada
genocídio que acabe, outro tem necessariamente de nascer. É disso, ou também
disso, que vivem os países mais ricos do mundo. Com a diferença que os
criminosos dão a cara, enquanto os instigadores e municiadores se acobardam nos
areópagos da alta política ocidental.
Outros dois
oficiais do exército ruandês foram condenados à mesma pena, igualmente por
genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. "O tribunal condena
Bagosora, Aloys Ntabakuze, Anatole Nsengiyumva a prisão perpétua", afirmou
na altura o presidente norueguês do tribunal, Erik Mose.
E então os
outros? Os europeus, os norte-americanos e os russos não deveriam também ser
condenados?
Foi feita
justiça? Foi, com certeza. E, portanto, todos podem dormir descansados até aos
próximos julgamentos. É que, com tanta hipocrisia internacional, não vão faltar
casos para julgar e – é claro – milhões de vítimas para somar ao rol dos que
não contam para nada. Veja-se, por exemplo, o caso da Síria.
De acordo
com a acusação, Bogosora anunciou em 1993, ao fechar a porta a negociações com
os rebeldes tutsis da Frente Patriótica ruandesa, que ia regressar ao país para
"preparar o apocalipse", ou seja, o genocídio.
Hoje todos
sabem que há outros generais a "preparar o apocalipse" mas, apesar
disso, estão caladinhos. Lá vão vendendo as armas, trazendo petróleo e
diamantes e depois reclamam justiça e decretam umas prisões perpétuas.
Enquanto
existir carne negra para morrer e riquezas para roubar, os países ditos
civilizados lá estarão prontos para vender arsenais em nome da… justiça.
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