Mais uma
vez, são tantas que já perdi a conta, a procuradora Maria José Morgado falou de
uma coisa que – tanto quanto parece – não existe em Portugal: corrupção.
Diz ela que
“a crise cria riscos corruptíveis sérios”. Mas como em Portugal não existe (para
os corruptos de ontem, de hoje e de amanhã) crise todos podem continuar a ir à
missa, a brincar aos espiões, a gozar com a chipala dos cidadão que são, na
verdade, quem alimenta a porca onde essa gentalha nunca se farta de mamar.
“Se temos
pessoas que são mal pagas ao nível da administração e se temos uma
administração com uma burocracia impenetrável, temos aqui conjugados factores
de alto risco”, afirmou a directora do Departamento de Investigação e Acção
Penal (DIAP) e Procuradora Geral Adjunta do Tribunal da Relação de Lisboa, no
final da intervenção que fez no Ciclo de Seminários do Instituto de Estudos
Eleitorais da Universidade Lusófona do Porto.
“A corrupção
nos países em desenvolvimento entrava tudo, cria pobreza, cria miséria, impede
as leis de concorrência de mercado, prejudica as empresas, aumenta os custos
das empresas e os bens e serviços tornam-se mais caros”, afirmou Maria José
Morgado, defendendo que “o Estado tem que ter mecanismos dissuasores, mas não
pode ser um Estado polícia nem totalitário, as instituições é que têm que
funcionar, nomeadamente na prioridade das prioridades que é o combate à fraude
fiscal associada à corrupção e ao branqueamento de capitais. E isso tem de
funcionar sistematicamente, de forma a produzir resultados”.
Maria José
Morgado continua a pensar que um dia destes, certamente por acção divina,
Portugal se transformará num Estado de Direito. Apesar disso sabe que, no
actual estado das coisas, combater de forma eficaz a corrupção é o mesmo que
abolir da língua portuguesa as vogais.
Maria José
Morgado diz que “o sector empresarial do
Estado foi guiado pelo lema do sorvedouro de dinheiros públicos” e fala de
“derrapagens das obras públicas”, “protecção anormal de empresas privadas” e das
parcerias público-privadas com “características de danosidade” que não se
manifestam no resto da Europa.
“Neste
pântano de más práticas foi como se o Estado tivesse entregue a chave do
galinheiro à raposa” afirmou. Não “foi como se”. Foi mesmo assim. E, além
disso, pôs o Povo a alimentar as galinhas e aboliu as licenças de caça às
raposas.
A
procuradora considerou mesmo que “a crónica má gestão dos dinheiros públicos”,
aliada “ao concubinato entre certas empresas e o Estado acabaram por
gradualmente destruir a economia e a capacidade de produção de riqueza”, que
desembocou no “resvalar da incompetência e do desleixo para formas de corrupção
sistémica incontroláveis com o consequente e descontrolável endividamento público”.
A
procuradora afirmou também não “estar a falar de corrupção propriamente dita,
no sentido do Código Penal, mas de uma patologia de más práticas que criam um
plano inclinado que pode dar para tudo, nomeadamente para o desperdício dos dinheiros
públicos”.
A confusão
legislativa, a dificuldade em fazer prova de corrupção, a falta de meios do
Ministério Público, nomeadamente na área informática, foram apresentadas como
dificuldades para a acção dos agentes da Justiça nesta área.
A
especialização dos tribunais, simplificação legislativa, protecção de
testemunhas e da figura do arrependido, especialização dos tribunais, modelo
específico de investigação criminal e um financiamento “que respeite a
autonomia com uma dotação de verbas compatíveis com as necessidades do
Ministério Público e não absolutamente abaixo dessas necessidades e que permita
alguma capacidade de actuação ao nível da investigação criminal” foram algumas
das propostas apresentadas por Maria José Morgado.
Na recente conferência
"Ministério Público e o Combate à Corrupção", promovida pelo
Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Maria José Morgado
disse que no topo da pirâmide da
corrupção está a "corrupção de Estado" e dos partidos políticos,
sendo esta mais difícil de investigar devido ao seu grau de sofisticação.
E se a
corrupção fosse crime (será que é?) dir-se-ia que o Estado e os partidos são os
principais antros criminosos. Parto, é claro, do “princípio interpretativo” de que
a directora do DIAP não estava a ver a pirâmide invertida.
Maria José
Morgado disse nessa conferência que não convém esquecer que "os menores
salários", com os cortes nos subsídios, "trarão necessariamente maior
vulnerabilidade na administração pública e nos serviços do Estado" em
matéria de corrupção.
Essa
peregrina ideia de querer pôr os corruptos a lutar contra a corrupção é digna do
Portugal de hoje. Apesar dos "esforços", traduzidos na produção de
legislação, muitas das novas leis "estão viciadas à nascença, com graves
defeitos de conceção e formatação", o que as torna "ineficazes".
Não. Não fui
eu que o disse, mesmo recorrendo ao “jornalismo interpretativo”. Quem o diz,
com todas as letras, é o Sistema
Nacional de Integridade (SNI), constituído por entidades públicas e privadas e
elementos da sociedade empenhadas no combate à corrupção.
Diz o SNI
que o combate à corrupção "está enfraquecido por uma série de
deficiências" resultantes da "falta de uma estratégia nacional de
combate a esta criminalidade complexa".
"Nenhum
Governo até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à
corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto
de considerandos vagos e de intenções simbólicas", acrescenta o SNI.
Mas do que é
que estavam à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção que, aliás,
é uma das suas mais importantes mais-valias? E mesmo que anunciassem medidas,
nunca seriam para cumprir. Por algumas coisa Portugal tem tido os
primeiros-ministros que mais metem.
O relatório
português onde constam estas verdades insere-se numa iniciativa da organização
Transparency International, que se desenvolveu noutros 24 países europeus e que
em Portugal foi realizado pela associação Transparência e Integridade, centro
INTELI - Inteligência e Inovação e Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa.
Reflecte o
tratamento dado a cerca de quatro dezenas de entrevistas a personalidades de
diferentes sectores de actividades, que vão desde o Provedor de Justiça, a
magistrados, juízes, dirigentes de organismos estatais, professores
universitários e jornalistas, entre outros.
As
iniciativas legislativas tomadas "não têm travado a corrupção, nem têm
diminuído o destaque desde fenómeno na comunicação social, nem têm alterado a
percepção sobre a incidência e extensão da corrupção na sociedade
portuguesa", acrescenta o SNI.
Este
resultado surge pela "fraca capacidade", tanto da comunicação social
como da sociedade civil, para acompanhar os processos de produção de legislação
e "denunciar a má qualidade dos diplomas", acabando por permitir a
produção de diplomas "inócuos".
Além de
encontrar "falhas graves", a avaliação do SNI conclui que essas
lacunas "põem em causa a legitimidade e o desempenho global das
instituições".
Na política
existe "uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores"
e as promessas de combate à corrupção "são abaladas" por leis que
permitem o branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos e de
interesses que "não correspondem à realidade".
Somados,
estes factores resultam na "falta de honestidade para com os cidadãos e
pela falta de sancionamento" das irregularidades praticadas pelos
políticos.
Para acabar
com esta realidade, o SNI defende uma maior fiscalização da parte do Parlamento
(também ele o alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados e
membros do Governo e o alargamento do regime de incompatibilidades aos membros
que integram os gabinetes governamentais.
De vez em
quando os portugueses, seja por via directa ou não, resolvem falar de
corrupção. Quase sempre, neste como em outros assuntos, apenas mudam as moscas…
Os
portugueses são, na generalidade e em teoria, contra a corrupção, mas no
dia-a-dia "acabam por pactuar" com "cunhas" e situações de
conflito de interesses. Continuo sem saber como é que se pode ser contra algo
que, em sentido lato, já é uma “instituição” secular. Falha minha, certamente.
E ainda eu
tenho a lata de criticar a corrupção em Angola, quase esquecendo que os
poderosos donos da minha terra aprenderem (e se calhar até já são melhores) com
os mestres portugueses...
"No
nível simbólico, abstracto, toda a gente condena a corrupção, tal como no resto
da Europa, mas no nível estratégico, no quotidiano, as pessoas acabam por
pactuar com a corrupção, até nos casos mais graves, de suborno", disse o
politólogo Luís de Sousa, co-autor, com João Triães, do livro "Corrupção e
os portugueses: Atitudes, práticas e valores".
Luís de
Sousa dava como exemplo o primeiro lugar registado por Portugal no indicador de
um estudo relativo aos contactos que as pessoas assumem ter "para
conseguir benefícios ou serviços a que não têm direito".
Não sei o
que se chamará ao facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe
perguntarem a filiação partidária. Será corrupção? E quando dizem que “se fosse
filiada no partido teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos
para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?
Este livro
foi apresentado por Paulo Morais, creio que em Julho de 2011, que afirmou que a obra confirma que "os
portugueses são algo permissivos" relativamente à corrupção, o que
considera ser uma herança da "lógica corporativa do tempo de
Salazar".
Se o cidadão
anónimo é permissivo por ter sido influenciado pela "lógica corporativa do
tempo de Salazar", quem terá influenciado os políticos, os
administradores, os banqueiros, os gestores, os patrões que gerem o país?
"A
estrutura de poder actual é, basicamente, a estrutura de poder do doutor
Oliveira Salazar. É uma estrutura que se mantém e nos asfixia", disse
Paulo Morais, realçando que, enquanto perdurar esta lógica, "os grandes
interesses ficam na mão do grande capital".
E quem tem
força para contrariar o sistema sem, quando der por isso, estar enredado dos
pés à cabeça, encostado à parede, com a vida (para já não falar do emprego) em
perigo?
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