quinta-feira, maio 31, 2012

Ter carácter para prestigiar os cargos públicos já é um artefacto de... museu


Por regra, o que me parece uma qualidade, Belmiro de Azevedo tem o coração ao pé da boca. Diz o que pensa, mesmo sabendo que essa é a melhor forma de arranjar inimigos. Mas também é para esse lado que ele dorme melhor.

Hoje o “tio” Belmiro considerou que Portugal perdeu uma geração "excelente" de representantes do Estado e membros da Assembleia da República que tinham uma vida "conhecida e apenas o desejo" de prestigiar os cargos.

E trocou por miúdos, mesmo sem desconto em cartão: "Hoje a maioria da Assembleia da República é outro tipo completamente diferente. As pessoas falam apenas para as plateias".

Na opinião de Belmiro de Azevedo, a primeira Assembleia da República "é irrepetível, pois era composta por pessoas que tinham uma vida muito conhecida e que não tinham outro desejo que não fosse o de prestigiar os cargos".

Dizem os jornalistas que o ouviram, que o presidente da Sonae escusou-se a definir os actuais representantes do Estado ou os membros da Assembleia da República. Nem era preciso. Para essa definição, mesmo sem ser por via do “jornalismo interpretativo”, basta levar em conta que os avoengos da espécie que hoje está no poder “não tinham outro desejo que não fosse o de prestigiar os cargos”.

Entre muitas outras coisas, recordo-me que Belmiro de Azevedo afirmou no dia 22 de Maio de 2009 que "estar empregado deve satisfazer praticamente toda a gente neste momento" e garantiu que "não há emprego para quem quer estar a passar os fins-de-semana com os pés na água".

Tinha e tem completa razão. Tal como tinha quando afirmou que "um subalterno tem o dever de questionar uma ordem do chefe e, se for o caso, dizer-lhe que não é suficientemente competente".

Falando no Porto à margem da cerimónia em que foi agraciado com o grau de doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto, Belmiro de Azevedo admitiu que os trabalhadores não têm que "aceitar tudo", mas salientou que "também não podem manter reivindicações quando não há nada para reivindicar e ninguém para pagar".

"Se fechar a empresa o que é que vão fazer? Deve haver uma mudança no relacionamento entre sindicatos e empregadores. Há emprego onde for possível estar empregado, não há emprego para quem quer estar a passar os fins-de-semana com os pés na água", disse.

Segundo o "patrão" da Sonae, "nos países que têm uma relação com os trabalhadores muito mais transparente, agressiva e pró-desenvolvimento, as pessoas mexem-se mais depressa e a economia começa a trabalhar mais depressa".

Deve ser por isso que a velocidade em Portugal é devagar, parado ou em marcha atrás.

"Nos países como Portugal e os nórdicos, onde as pessoas têm um discurso muito concentrado nos direitos adquiridos, qualquer dia estão agarradas a um caco muito pequenino no meio do mar e vão ao fundo com o caco", alertou.

Para Belmiro, "o direito ao emprego deve existir, mas é preciso ser empregado e é preciso que o empregador exista também. Se o empregador desaparece o barco vai ao fundo".

No que diz respeito à Sonae, o empresário diz que não tem "praticamente" havido despedimentos porque o grupo "cresceu muito", mas admitiu que, "se acabar o crescimento ou reduzir a procura, o emprego tem que estar ajustado à actividade económica".

"Mas em Portugal ainda estamos a conseguir, mesmo quando há uma pequena empresa que deixa de ser competitiva, recolocar essas pessoas noutras áreas da Sonae ou até em nossos clientes", acrescentou.

Se calhar foi graças a essa tese de que “um subalterno tem o dever de questionar uma ordem do chefe e, se for o caso, dizer-lhe que não é suficientemente competente”, que Belmiro construiu o seu império.

Belmiro sabia que um chefe não é só o que manda - é sobretudo o que dá o exemplo. Sabia que a crítica não significa desobediência. Sabia que tinha de se rodear de massa crítica, pois para dizer sempre que “sim” bastava-lhe a própria sombra.

Ora, tal como a Assembleia da República, o Governo português está cheio de “sombras”. E está este como estão as associação empresariais, os sindicatos, o PS, o PSD, o CDS/PP e os organismos (sobretudo fundações, institutos e similares) criados para dar emprego a ex-políticos e candidatos a políticos.

“Sombras” que vivem religiosamente à custa das bênçãos, das cunhas, e dos padrinhos que, por regra, já chegaram a chefes do estado maior.

Com um país assim, onde são (quase) sempre os mesmos a ter acesso ao poder, sendo todos os outros relegados para fora de jogo, só há duas possibilidades: ter ideias e ser marginalizado ou, agora, ser sombra e filiar-se no PSD (excepcionalmente também no CSD/PP).

Mais dia menos dia o tacho irá sorrir.

Legenda: Mais uma foto histórica (na idade). Uma entrevista a Belmiro de Azevedo publicada no extinto Jornal de Notícias (não confundir com a versão azul do Correio da Manhã).

Sem comentários: