sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Cabinda, Kozovo e o Saara Ocidental
(125 anos do Tratado de Simulambuco)

Portugal não se lembra dos compromissos que assinou ontem e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há 125 anos. Aliás, creio até que as autoridades portuguesas dão cada vez menos valor aos compromissos que assumem.

Mas, queiram ou não, do ponto de vista de um Estado de Direito (que Portugal é cada vez menos) é importante dizer-se que este reino lusitano não só não honrou a palavra como aviltou a assinatura dos seus antepassados que, esses sim, com sangue, suor e lágrimas deram luz ao mundo.

Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no terrirório, seu protectorado, ocupado por Angola.

Quando o presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene está, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de escolher o seu futuro.

Graças ao petróleo, grande parte dele produzido em Cabinda, Angola consegue que a comunidade internacional reconheça a existência de dois tipos de terrorismo. Um bom e outro mau.

O mau é praticado por todos aqueles que apenas querem que se respeite os seus mais sublimes direitos. O bom é o do Estado, neste caso angolano, que viola sistematicamente todos os mais básicos direitos humanos, prendendo, torturando e matando todos aqueles que pensam de maneira diferente.

Se calhar, digo eu, não seria mau que Portugal olhasse para Espanha e Angola para Marrocos. Ou seja, para a questão do Saara Ocidental, antiga colónia espanhola anexada em 1975 após a saída dos espanhóis, como parte integrante do reino de Marrocos que, entretanto, propõe uma ampla autonomia sob a sua soberania, mas exclui a independência. Pelo contrário, a Frente Polisário, apoiada sobretudo pela Argélia, apela à realização de um referendo, em que a independência seria uma opção.

Não percebo, aliás, a razão pela qual a ONU tem um chefe de missão no Saara Ocidental, Hany Abdel-Aziz, que ainda há dias afirmou que o momento é apropriado para iniciar as negociações entre Marrocos e a Frente Polisário (há um encontro informal agendado para os próximos dias 10 e 11), e não toma igual iniciativa em relação a Cabinda.

Recorde-se que o governo espanhol, liderado por José Luis Zapatero, tem mostrado – ao contrário de Portugal - coragem política não só ao reconhecer o direito do povo saharaui à autodeterminação como ao levar a questão às Nações Unidas.

Também Timor-Leste comemorou recentemente os 10 anos do referendo que permitiu que o território, embora sob suposta administração portuguesa mas de facto ocupado militarmente pela Indonésia, se tornasse independente.

Terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Saara Ocidental?

Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir. E se, como agora conteceu, para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão... que outro remédio têm os cabindas?

Cabinda é um território ocupado por Angola e nem o potência ocupante como a que o administou pensaram,ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.

Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que "é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo".

O ministro português apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais é "a situação de facto", uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, "é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista".

Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.

Como segunda razão, Luís Amado referiu que "o problema é político e não jurídico", afirmando que "o direito não pode por si só resolver uma questão com a densidade histórica e política desta". Amado sublinhou, no entanto, que "não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade", pelo que "o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas".

Ora aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.

"O reforço da responsabilidade da União Europeia", foi a terceira razão apontada pelo chefe da diplomacia portuguesa. Amado considerou que a situação nos Balcãs "é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado", referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o Montenegro e a Sérvia "acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia de toda a região".

No caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem se me engano – Portugal desempenha um papel importante.

O ministro português frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete.

Como última razão, indicou a "mudança de contexto geopolítico que entretanto se verificou" com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de independência das regiões georgianas separistas da Abkházia e da Ossétia do Sul que Moscovo reconheceu entretanto.

Isto quer dizer que, segundo Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita ao sabor do acaso, dos interesses unilatreiais.

1 comentário:

Amílcar Tavares disse...

Talvez razão pela qual a ONU tem um chefe de missão no Saara Ocidental está na componente diplomática da questão.