sexta-feira, fevereiro 19, 2010

De Portugal ao Alto Volta via Lisboa

Felícia Cabrita, a jornalista do semanário Sol que tem dado luz à Face Oculta, entende que é “muito estranho que o Procurador-Geral da República venha à liça com tanta frequência fazer uma defesa do primeiro-ministro.”

Mas será que alguma coisa é estranha em Portugal? Não, não é. Aliás, se o procurador entende que tentar controlar (ainda mais) a comunicação social não configura um crime de atentado ao Estado de Direito, então a lei da selva tem força legal.

Mudemos, mais ou menos, de assunto. Ao que me dizem o Burkina Faso também vive uma forte turbulência provocada pela suposta tentativa de forças políticas quererem controlar a comunicação social. Isto porque, ao que parece, lá é crime de atentado ao Estado de Direito.

Essa tentativa de controlo parece ter o apoio, mesmo que velado e também inocente, do primeiro-ministro, Tertius Zongo, e de um ex-ministro que depois se tornou dirigente bancário e que abriu os cordões à bolsa.

Comentando a situação de anunciada promiscuidade entre políticos, empresários e similares, o presidente do Burkina Faso disse que o país poderá ser diferente se não forem eleitos "vigaristas".

"Esse país pode ser diferente se a gente não eleger mais vigaristas. Tem que eleger pessoas com compromisso com o povo e que não tenham medo de pegar na mão de um pobre ou abraçar um negro", afirmou Blaise Comporé.

Durante o discurso, Blaise Comporé disse que era fácil governar para pobres, porque "com pouca coisa se faz muito", e voltou a afirmar que quem não gosta de ouvir reclamações, não se deve candidatar.

Quanto ao mais recente caso em que se viu envolvido, o primeiro-ministro (do Burkina Faso, repita-se) rotulou-o de "campanha negra".

Alguns jornalistas locais que em breve serão ouvidos numa comissão parlamentar lá do sítio, que os actores deste drama, sobretudo políticos e financeiros, se apresentam (e assim é na realidade) como uma elite que defende apenas os seus interesses, que em vez de servir o país se serve dele.

Paradigma de tudo isto, mau grado aparecerem na ribalta sonantes nomes da política e das finanças, é o facto de quase 100% das pessoas que estão nas cadeias do país serem pobres.

Não é bem assim, diz-me um leitor que vive no Burkina Faso? Ai não, não é. Recordam-se de uma mulher que furtou um pó de arroz num supermecado? Foi detida e julgada. No entanto, roubar (desviar, afanar, furtar, ximunar) centenas de milhões de euros de um banco poderá, ou não, ser crime.

É claro que do ponto de vista académico, como diz o Procurador-Geral do Burkina Faso, "ninguém está acima da lei". Se calhar não é bem assim. Até porque o pilha-galinhas não é Conselheiro de Estado nem primeiro-ministro e, por isso, não tem a imunidade que lhe garanta a impunidade. Esta parte deve ter sido copiada de algum país do sul da Europa.


Creio que a mais grave, por ser mortal para o país, é "a corrupção política", a que envolve as grandes empreitadas do Estado ou a compra de muitos milhões de euros em equipamentos.

Será então culpa do sistema judicial? Não. Desde logo porque o sistema judicial (também) é amamentado pelo seu congénere político, e este é o que põe e dispõe.

Creio, contudo, que o Burkina Faso ainda pode ter cura. No entanto, se demorar muito a ser ministrada a necessária medicação radical, um dia destes chegaremos à conclusão que na altura em que o antigo Alto Volta estava quase a saber viver como um país digno... morreu.

Sem comentários: