sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Comissão (pat)ética a bem da nação

O PS viabizou o requerimento do PSD para que a Comissão de Ética da Assembleia da República realizasse um conjunto de audições sobre o exercício da liberdade de imprensa em Portugal. Treta, como se tem visto.

Nesta matéria alguns deputados têm de se descalçar para contar até 12, alguns dos convidados mostram que ali estão para gozar com a chipala dos portugueses, outros evidenciam raras capacidades próprias de gestores de prostíbulos e outros ainda demonstram que têm a cada vez mais vulgar capacidade de usar coluna vertebral amovível.

Inês de Medeiros sublinhou na altura que o PS não considera que exista falta de liberdade de imprensa em Portugal mas, apesar disso, "aceita obviamente realizar uma série de audições" sobre esta temática.

Mas se este PS considera que existe liberdade de imprensa (que conscientemente cola à de expressão), não vejo necessidade de dar trabalho aos deputados. Afinal quem manda? Perguntem ao agora ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, e ele dirá exactamente isto: nunca houve em Portugal tanta liberdade de imprensa e de expressão como agora.

Estes últimos dias "têm provado que não há propriamente um problema de liberdade de expressão em Portugal. Não nos parece que a imprensa, que a comunicação social esteja inibida de falar seja do que for", declarou a deputada, certamente pouco preocupada com os despedimentos na Imprensa feitos à medida, por medida e sob encomenda e que atiraram para o desemprego alguns dos melhores jornalistas portugueses.

Aliás, a escolha dos senhores deputados passou ao lado de quase todos os jornalistas que lhes podiam explicar, entre outras coisas, que se um jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil e que, depois disso, se sabe o que se passa (com ou sem escutas) e se cala é um criminoso,

Inês de Medeiros acrescentou na altura que o PS quer "pensar seriamente sobre quem deve ser ouvido" para que a Comissão de Ética faça "uma avaliação nacional" sobre o exercício da liberdade de imprensa, recusando alinhar numa "precipitação para acorrer às notícias do dia a dia".

E enquanto não engavetam a liberdade de imprensa em termos absolutos (em termos relativos já existe, bastando ver o número crescente de Jornalistas a quem o desemprego ensinou a pensar com a... barriga), deixem-me recordar - tantas vezes quantas quiserem gozar com a minha chipala - que em Portugal o Estatuto do Jornalista, aprovado exclusivamente por este PS, representa a página mais negra na história do Jornalismo do pós-25 de Abril de 1974.

Apesar de sucessivos apelos, incansáveis iniciativas e documentos de esclarecimento e de aviso para os graves erros e riscos contidos na Proposta de Lei do Governo e nas propostas do Partido Socialista, o executivo e a então maioria foram insensíveis aos argumentos e posições dos Jornalistas.

O Governo foi incapaz de gerar um Estatuto consensual (até no Parlamento), no qual os Jornalistas portugueses se revissem e reconhecessem como instrumento legal fundador de um jornalismo mais livre e mais responsável.

Longe vai o tempo em que, na «Bases programáticas do Partido Socialistas para as Legislativas de 2005», se dizia; “Em nenhuma circunstância a liberdade de informação pode ficar refém de interesses económicos ou políticos. A concentração da propriedade dos media pode pôr em causa o efectivo pluralismo e a independência do serviço público de informação”.

O Estatuto não garante mais a protecção do sigilo profissional dos Jornalistas. Pelo contrário, diminui tais garantias, ao elencar um conjunto de circunstâncias em que esse direito-dever pode ceder, bastando aos tribunais invocar dificuldade em obter por outro meio informações relevantes para a investigação de certos crimes.

Assim (e o Governo sabe muito bem quais são as suas razões…), os jornalistas enfrentam maior resistência de fontes confidenciais que poderiam auxiliar a sua investigação de fenómenos como o tráfico de droga e até, como se insinuou nos debates, de corrupção, entre outros crimes que os profissionais da informação têm (tinham, tiveram e alguns ingénuos sonham ainda voltar a ter) o direito e o dever de investigar e denunciar.

Alguns teimam ainda hoje em investigar e denunciar, assumindo o risco de a recompensa ser o despedimento, individual ou colectivo... a bem da mesma Nação que António de Oliveira Salazar defendia.

A falta de garantias de autonomia editorial e de independência e os riscos deontológicos criados pelo Estatuto comprometem a aceitação, pelos Jornalistas, de um regime disciplinar que é injusto porque aplicável num contexto de fragilidade, no qual não estão em plenas condições de assumir livremente as suas responsabilidades.

Tão injusto que parte dos que contestaram a sua validade estão hoje nos córregos sinuosos do desemprego, tendo uns optado por comer e calar, outros por ganhar menos, e alguns por subscrever um pacto de produção de textos de linha branca.

O Estatuto não criou condições para uma efectiva autonomia editorial e independência dos Jornalistas (e o Governo sabe muito bem quais são as suas razões…), antes as agrava, assassinando a posição destes profissionais face ao poder das empresas.

Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, ainda recentemente recordou que o fardo é insuportável por parte de todos aqueles (e são cada vez menos) que não têm coluna vertebral amovível, “especialmente nos tempos que correm, enfrentando uma grave ofensiva por parte das empresas, com o beneplácito, a mais descarada cumplicidade e mesmo a participação activa do Governo e da maioria parlamentar e a complacência do Presidente da República, como aconteceu com a última revisão do Estatuto do Jornalista e com o fracasso na aprovação de uma lei contra a concentração da propriedade dos meios de informação”.

Tudo isto já se sabe. De qualquer modo pôr a Comissão de Ética a analisar o que já se sabe é, mais ou menos, como pôr uma qualquer Comissão a analisar a razão pela qual a seguir ao sábado vem sempre o domingo...

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