A propósito do meu texto Cavaco (e os outros também) ainda estãoa tempo de ler alguma coisa sobre Cabinda, recebi do meu amigo e "velho" companheiro Eugénio Costa Almeida o texto que a seguir apresento. É uma visão diferente da minha mas igualmente válida.
«Sobre Cabinda não vou fazer qualquer tipo de consideração para além do que já debatemos noutros círculos e noutros debates, tais como não concordar com a tua visão historicista da questão, apesar de reconhecer que, em alguns pontos, deverás ter razões que não pude – nem posso – contestar dado que as diferentes Constituições Portuguesas (sejam as monárquicas ou as republicanas) que se nos deparam na Internet são pouco abrangentes nas definições territoriais (Continente, Ilhas Adjacentes, Reino do Brasil e Colónias na África, Ásia e Oceania), nomeadamente no que toca às possessões em África.
Mas como reconheço em ti qualidades de historiador, apesar de, profissionalmente, seres um jornalista, tenho de acordar que o que escreves será – é – necessariamente correcto.
Ainda assim, e admitindo que Cabinda estava, administrativamente, separada de Angola nas diferentes Constituições antes da reforma de 1955, quero e não posso deixar de o fazer, que até à república Portugal era reconhecido, oficialmente, como Reino de Portugal, dos Algarves e de Aquém e Além mar!
É certo que desde, creio o ano passado, que essa separação voltou a emergir com a criação do ALLgarve… que mais não é que o reconhecimento explícito que esta província portuguesa tem características muito próprias…
Mas, permite-me recordar, e aqui vais deixar que seja a minha vertente de analista e de – passe a imodéstia – alguma capacidade de especialista de política internacional, alertar-te que a Comissão de Descolonização das Nações Unidas (3ª Comissão da ONU) alteraram, nomeadamente após a criação da OUA e da afirmação da intangibilidade das fronteiras e da aprovação da Resolução 1514/60 da ONU, a ideia inicial da Comissão de Tutela da Sociedade das Nações (SDN), que encarava as possessões euro-ultramarinas como territórios com capacidade de se autonomizar, ou seja, de se tornarem independentes.
Cabinda era, inegavelmente, um dos casos, que viu reforçada a sua integração com o Estatuto Político-administrativo da Província de Angola de 1963 e com Lei Orgânica do Ultramar (1972) que veio criar os “Estados” de Angola e Moçambique, se a memória não me atraiçoa.
Eu compreendo que tenhas utilizado territórios de área geográfica e territorial para a comparação.
Todavia, permite-me discordar dela pelas razões que se seguem:
Cabinda, como já escrevi anteriormente, inclusive no último artigo publicado no semanário santomense Correio da Semana, era parte integrante do ancestral e forte Reino do Congo. Recordo, e provavelmente também recordarás, que cerca de 2/3 do território era do Reino do Congo ou a ele suserado e que a ABAKO (Aliance des Bakongo), dirigida por Kanza e Kasavubu, etno-culturalmente bakongo, queria recuperar o mítico – e real – Reino aglutinando o Norte de Angola, a parte Sudoeste do Congo e a incorporação dos territórios cabindenses que ao reino pertenceram.
Por outro lado, Cabinda era territorialmente anexa a Angola – se não tomarmos em linha de conta o estuário do Rio Zaire (derivado de Nzaidi que mais tarde se chamou Zairi e, agora, Zaire) ou Congo – só sendo separado pela imposição das potências coloniais mais forte na Acta Geral da Conferência de Berlim onde, entre outros factos, o art.º. 2º exigia total à Liberdade de Comércio, na embocadura da Foz do Zaire, e os artºs. 34 e 35, Cap. VI, destacavam o Direito de Ocupação Efectiva que punha fim aos até então proclamados direitos históricos e sobrepunha os direitos económicos e militares.
Essa foi uma das razões que Cabinda acabou por ficar ligado a Portugal através de Acordos, que não Tratados, assinados por supostos representantes do Rei de Portugal em condições ainda hoje nunca cabalmente esclarecidas quanto à situação dos príncipes e sobados cabindenses locais que concordaram com o Acto de Simulambuco. Não vou tão longe, como já li, que previamente foram embriagados para serem submissos á vontade dos tais representantes lusos que queriam, dessa forma, provar às potências “litigantes” (França, Bélgica – leia-se Leopoldo – e Inglaterra) que havia a tal ocupação efectiva.
Mas o que realmente está em causa aqui neste meu comentário – que mais parece uma epístola – é a comparação.
Meu caro, os referidos territórios do Burundi e do Ruanda nunca foram possessão da Bélgica pelo que nunca poderiam ser incorporados, embora estudos recentes mostrem que vontade não lhes faltou, no Congo.
O antigo Reino de Urundi foi cedido à Bélgica pela SDN como pagamento de danos causados pela Prússia/Alemanha na I Guerra. E foi-o sob tutela. Ao contrário do que inicialmente pensava foram os belgas, na linha dividir para reinar, que separou os dois corpos sub-étnicos (hutus e tutsis) semeando o germe da discórdia entre eles. Uns eram essencialmente agricultores (hutus) e os tutsis (criadores de gado que se viam mais como uma casta que uma etnia). E por quando das independências os belgas e a Igreja que tinha interesses através de um ex-secretário do bispo de Kapgavi, preferiram dar o Poder aos hutus.
As consequências são as que ainda hoje decorrem, inclusive para o Congo.
Já concordaria, por outro lado, que tivesses comparado com o Sudoeste Africano que, também ele, foi objecto de Mandato, embora o art.º 22 da SDN lhe concedesse um estatuto especial dado ser “de fraca densidade de sua população, de sua superfície restrita, de seu afastamento dos centros de civilização e da sua contiguidade geográfica com o território do mandatário”, no caso a África do Sul a pedido da Inglaterra para quem, inicialmente, o território tinha sido colocado sob Mandato.
E essa situação verificou-se durante décadas e só alterou-se com a 3ª Comissão que, como deves recordar, e por via dos Acordos Tripartidos/Quadripartidos de Nova Iorque, entre Angola, Cuba, África do Sul e as Superpotências permitiu à Namíbia ascender à independência sem direito, numa primeira fase, ao território – porto de águas profundas – de Walvis Bay.
Desculpa, meu caro, esta longa epístola que ultrapassou o mero comentário. Mas como sabes, por vezes o coração fala mais alto que a razão e quando duas pessoas de pensamentos contrários se debatem com a pluralidade, com estima e o respeito como o fazemos esquecemo-nos de sermos mais racionais e deixamos o verbo escorrer.»
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