Os 19 países e instituições que suportam mais de metade do Orçamento de Estado de Moçambique querem ver "tratadas de maneira séria" as questões levantadas pela União Europeia sobre as eleições no país.
Questões que, contudo, não serviram para pôr em questão a legitimidade do partido que domina o país desde a independência, a FRELIMO.
Num relatório, mais um, dos observadores da União Europeia às eleições de Uutubro passado, hoje divulgado em Maputo, os responsáveis pela missão deixaram 25 recomendações, entre as quais profissionalizar e despolitizar a Comissão Nacional de Eleições (CNE), rever as leis sobre eleições, limitar os gastos em campanhas eleitorais e investigar as mesas onde as urnas tenham uma afluência de 100 por cento... ou mais.
Em declarações à Agência Lusa, o embaixador da Finlândia e presidente do grupo dos 19, Kari Alanko, disse que as conclusões do relatório não o surpreenderam, porque são muito idênticas às do relatório preliminar da missão da União Europeia, feito logo após as eleições.
De facto, os observadores da União Europeia às eleições moçambicanas constataram "numerosas irregularidades" durante o apuramento dos votos, "sem que estas afectem significativamente os resultados".
É sempre assim. O balanço parece tirado a papel químico do que se passou nas legislativas angolanas. “Numerosas irregularidades” que, contudo, não afectam os resultados.
Num balanço divulgado em 18 de Novembro do ano passado, a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) dava conta de "irregularidades eleitorais e inconsistência nos procedimentos" em 73 distritos das 11 províncias de Moçambique.
Coisa pouca, dir-me-ão com toda a razão. As coisas não correram como devariam em 73 distritos das 11 províncias, mas daí a dizer que afectaram os resultados vai uma longa distância.
Pouco importa se essas "irregularidades eleitorais” são apenas a ponta da montanha, o primeiro centímetro da ponte Armando Guebuza no rio Zambeze, ou o sintoma de algo bem mais grave.
Segundo o documento da UE, ainda que as irregularidades no processo eleitoral não tenham afectado significativamente os resultados das eleições "constituem uma séria fraqueza do processo".
Vá lá a gente perceber estes observadores. Afinal, foi uma “séria fraqueza do processo”. Mas, apesar disso, tudo fica na mesma até que a paciência dos moçambicanos dê o berro e as opções passem por estratégias que ninguém gostava de ver regressar ao país.
De acordo com o investigador Luís de Brito, do IESE, Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique, A FRELIMO, partido no poder em Moçambique desde a independência, confunde-se "historicamente com o Estado" e "ocupa e controla o espaço político", estabelecendo uma "barreira difícil de transpor" aos seus adversários.
O investigador afirma que o processo eleitoral do ano passado o merece atenção porque "decorreu num ambiente particularmente polémico, devido a decisões controversas tomadas pela CNE", (Comissão Nacional de Eleições, que excluiu das eleições uma dezena de pequenos partidos, incluindo o MDM na maior parte dos círculos, alegadamente por deficiências nas candidaturas).
Luís de Brito limita-se a constatar o que há muito tempo é dito, entre outros, em blogues como aqui o Alto Hama ou o Pululu, bem como no Notícias Lusófonas que numa das suas manchetes escrevia: «Votar é igual a democracia? Então viva a FRELIMO, o MPLA, a SWAPO e o ANC».
Aliás, o mesmo se passa em Angola onde o Estado é o MPLA e o MPLA é o Estado.
Apesar disso, mesmo sabendo-se que os observadores internacionais às eleições moçambicanas (tal como se passara com as angolanas) foram escolhidos à medida e por medida (a missão da União Africana, recorde-se, foi chefiada pelo especialista angolano Roberto de Almeida, por sinal vice-presidente do MPLA), todo o mundo continua a dormir descansado.
Apesar dos avisos, só vão acordar quando a UNITA ou a RENAMO decidirem (se é que alguma vez o vão voltar a fazer) dar a palavra às Kalashnikov.
Nessa altura será tarde. Mas se calhar é isso mesmo que a comunidade internacional está à espera. É que, como em tudo, será sempre tarde apenas para os milhões que têm pouco ou nada. Para os poucos que têm milhões (chamem-se Eduardo dos Santos ou Armando Guebuza) há sempre tempo para tudo.
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