«Há coisas sobre as quais tenciono escrever, mas nunca começo por achar que ainda não sei o suficiente para abordar o assunto. Outras vezes preparo rascunhos ou termino mesmo artigos inteiros e acabo por ir adiando a publicação em jeito de censura prévia porque, apesar das aparências, em Angola ninguém é verdadeiramente livre de dizer ou escrever o que pensa sem que lhe caiam em cima com os piores insultos e ameaças, especialmente se for estrangeiro ou tiver a cor errada.
Um destes temas que tentei esquecer acabou por ganhar vida própria e voltou para me morder os calcanhares. Durante uma semanas foi um rascunho curto, mas agora é a altura de lhe dar um pouco de atenção.
Para melhor perceber o país, sempre que tenho oportunidade leio os jornais angolanos. Os privados são quase todos semanários e o único diário é o Jornal de Angola, que não esconde ser o porta-voz do partido, que é a mesma coisa que dizer do Governo. Ora foi neste mesmo jornal que me apercebi de um padrão nos temas dos seus editoriais.
Reparei que dia-sim, dia-não, o editorial fazia uma referência a Portugal. O complexo pós-colonial ainda não abandonou aquela redacção. Ora era porque em Portugal não se falava de Angola, ora era porque se falava mas não se elogiava a sua grandeza, ora era porque se falava, elogiava, mas não com a sinceridade e reverência desejada. Outras vezes criticava Portugal pelo desprezo a que tinha votado a antiga colónia, não lhe prestando auxílio devido durante esta crise e noutras ainda, por achar que estava a emprestar dinheiro ao país apenas por interesses neo-colonialistas. Acusava as redacções dos jornais e estações televisivas portuguesas de só dar tempo de antena às críticas a Angola e de sofrer de recalcamentos colonialistas. À falta de mau da fita, o colono é o culpado de tudo. Como de costume.
Pelo teor dos textos, compreendi que a obrigação de Portugal inteiro era perfilar em sentido, com a mão atravessada no peito e olhos esperançosos a mirar o céu, e gritar «Angola é a maior Nação do mundo!».
Porque achei que talvez estivesse a ler mais do que estava escrito e podia estar a interpretar coisas ao sabor de eventuais frustrações no trânsito, nas falhas da internet ou outras quaisquer, resolvi deixar o artigo no limbo. Outros assuntos preencheriam o seu lugar e escusava de despertar os rancores habituais.
Quase me tinha esquecido dele quando ocorreu o atentado em Cabinda. Algumas semanas mais tarde foram emitidos os mandados de captura internacionais e o editorial do Jornal de Angola voltou a apontar as baterias para Portugal, os jornais portugueses e, como novidade, a França. Os textos foram tão corrosivos e insultuosos que acabaram por merecer mesmo uma reclamação do Embaixador de França. Percebi que não era apenas a minha interpretação.
Uma coisa é ter liberdade para escrever o que se quiser. Outra coisa bem diferente é abusar dessa liberdade para insultar ou ofender gratuitamente. O caso ainda é mais grave devido à associação entre o Jornal de Angola e o Estado. Um porta-voz oficioso não pode comportar-se assim. A não ser que aquilo não seja para ser levado a sério.»
Um destes temas que tentei esquecer acabou por ganhar vida própria e voltou para me morder os calcanhares. Durante uma semanas foi um rascunho curto, mas agora é a altura de lhe dar um pouco de atenção.
Para melhor perceber o país, sempre que tenho oportunidade leio os jornais angolanos. Os privados são quase todos semanários e o único diário é o Jornal de Angola, que não esconde ser o porta-voz do partido, que é a mesma coisa que dizer do Governo. Ora foi neste mesmo jornal que me apercebi de um padrão nos temas dos seus editoriais.
Reparei que dia-sim, dia-não, o editorial fazia uma referência a Portugal. O complexo pós-colonial ainda não abandonou aquela redacção. Ora era porque em Portugal não se falava de Angola, ora era porque se falava mas não se elogiava a sua grandeza, ora era porque se falava, elogiava, mas não com a sinceridade e reverência desejada. Outras vezes criticava Portugal pelo desprezo a que tinha votado a antiga colónia, não lhe prestando auxílio devido durante esta crise e noutras ainda, por achar que estava a emprestar dinheiro ao país apenas por interesses neo-colonialistas. Acusava as redacções dos jornais e estações televisivas portuguesas de só dar tempo de antena às críticas a Angola e de sofrer de recalcamentos colonialistas. À falta de mau da fita, o colono é o culpado de tudo. Como de costume.
Pelo teor dos textos, compreendi que a obrigação de Portugal inteiro era perfilar em sentido, com a mão atravessada no peito e olhos esperançosos a mirar o céu, e gritar «Angola é a maior Nação do mundo!».
Porque achei que talvez estivesse a ler mais do que estava escrito e podia estar a interpretar coisas ao sabor de eventuais frustrações no trânsito, nas falhas da internet ou outras quaisquer, resolvi deixar o artigo no limbo. Outros assuntos preencheriam o seu lugar e escusava de despertar os rancores habituais.
Quase me tinha esquecido dele quando ocorreu o atentado em Cabinda. Algumas semanas mais tarde foram emitidos os mandados de captura internacionais e o editorial do Jornal de Angola voltou a apontar as baterias para Portugal, os jornais portugueses e, como novidade, a França. Os textos foram tão corrosivos e insultuosos que acabaram por merecer mesmo uma reclamação do Embaixador de França. Percebi que não era apenas a minha interpretação.
Uma coisa é ter liberdade para escrever o que se quiser. Outra coisa bem diferente é abusar dessa liberdade para insultar ou ofender gratuitamente. O caso ainda é mais grave devido à associação entre o Jornal de Angola e o Estado. Um porta-voz oficioso não pode comportar-se assim. A não ser que aquilo não seja para ser levado a sério.»
Sem comentários:
Enviar um comentário