sexta-feira, dezembro 26, 2008

Um dilacerante murro no estômago
ou a verdade que eu não queria ouvir

A televisão mostrou uma iniciativa portuguesa que levava ajuda a crianças necessitadas de Marrocos. Calculo que pelo meu semblante, a família que me rodeava percebeu a minha indignação, se calhar também pelo meu ensurdecedor silêncio.

Tenho alguma (para não dizer total) dificuldade em perceber como é que os portugueses ajudam Marrocos em vez da Guiné-Bissau, Timor-Leste, Angola, Moçambique, São Tomé, Cabo Verde, Brasil ou até mesmo Portugal.

Para mim é, ou deveria ser, um dado voluntariamente adquirido que os países lusófonos são prioritários, sem com isso questionar a necessidade de outros povos.

Tal como entendo que os franceses devem dar prioridade aos países francófonos, imaginava que os portugueses deveriam fazer o mesmo em relação aos lusófonos. Mas ainda bem que, mesmo que isso signifique (como significou) um monstruoso e dilacerante murro no estômago, há gente que por gostar tanto de mim me explica que os meus ideais são uma utopia.

Foi isso que me aconteceu. Explicaram-me que, tirando aqueles que descendem de gente com raízes africanas, são poucos os portugueses a quem África lusófona diz alguma coisa.

- E são poucos porquê?

Olhando-me como que a dizer: acorda!, explicaram-me que a juventude portuguesa o que sabe da África lusófona é o que mais ou menos vai aprendendo nas escolas, o que em síntese é quase nada, ou mesmo nada.

E se é isso que aprendem, se não lhes ensinam o que é a Lusofonia, para eles é mais importante o que se passa em Kiev do que o que se passa em Luanda, é mais importante o que se passa em Bruxelas do que o que se passa na Cidade da Praia, é mais importante o que se passa em Rabat do que o que se passa em Díli.

E se calhar até têm razão. Portugal adoptou oficialmente a tese de que a Europa é que tem futuro. E quem sou eu para justificar que o presente pode ser a Europa, mas que o futuro, esse passa pela África lusófona? Sim quem sou eu?

Se, de facto, a dita Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) é uma treta, e a Lusofonia é uma miragem de meias dúzia de sonhadores, o melhor é mesmo encerrar para sempre a ideia de que a língua (entre outras coisas) nos pode ajudar a ter uma pátria comum espalhada pelos cantos do mundo.

E quando se tiver coragem (para mim será cobardia, mas quem sou eu?) para oficializar o fim do que se pensou poder ser uma comunidade lusófona, então já não custará tanto ajudar os filhos do vizinho com aquilo que deveríamos dar aos nossos próprios filhos.

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